terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A língua ioruba

“Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”. 
(Amadou Hampâté Bâ) 
Èdè Yorùbá, a língua ioruba falada pelos iorubanos que vivem espalhados em países da África ocidental:
Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa.


Ortografia Ioruba


O ioruba comum conhecido como ioruba literário, ou Ioruba koiné é a forma escrita da língua tradicional, aprendida nas escolas e falada oficialmente.
Sua origem data de 1850, quando o Samuel A. Crowther, um iorubano nativo e o primeiro bispo africano a ser ordenado, publicou uma gramática ioruba, e uma tradução da Bíblia para esse idioma.
Como sabemos a língua ioruba não tinha escrita, pois sua tradição é oral, e tudo o que se conhecia até então era memorizado e repetido, transmitido por gerações.
O alfabeto desenvolvido tem a preocupação de grifar os sons tonais.
A acentuação refere-se à maneira de pronunciar as palavras com sua musicalidade correspondente.
O acento agudo refere-se ao tom mi da escala musical.
O grave, ao do, e as palavras sem acentuação ao ré.
Para nós que estamos acostumados com as vogais abertas e fechadas, conforme a acentuação, isso pode causar bastante confusão.
A B D E Ẹ F G Gb H I J K L M N O Ọ P R S T U W Y 
a b d e ẹ f g gb h i j k l m n o ọ p r s t u w y 
As letras c, q, v, x, z não são usadas.
Letras com o ponto embaixo: Ọ, Ẹ e S
S com ponto embaixo tem o som de X ou CH 
O e E com ponto embaixo tem som aberto.
As vogais são sete: A, E, Ẹ, I, O, Ọ, U, quando seguidas de N tem som nasal.


A língua do Candomblé


Desde o princípio do século XX, os adeptos do Candomblé não falam mais o idioma ioruba no cotidiano e por isso lutam para manter intactos os textos dos cânticos, da mesma maneira que se procura preservar os acervos rítmicos dos tambores. 
Esse esforço para impedir o desgaste da memória coletiva implica no desenvolvimento de mecanismos rituais e de etiqueta social para ativar a lembrança e retardar o esquecimento. 
A batalha contra o desgaste linguístico provocado pelo tempo se manifesta na vigilância severa dos pais de santo ao corrigir o modo de cantar dos membros de sua casa. 
Manifesta-se também nas acusações, por parte de membros das casas mais tradicionais, do modo deformado de cantar e pronunciar as letras das toadas predominante nas casas de menor prestígio. 
Um dos sinais de uma casa que detém o poder dos orixás é o grau de preservação da língua ioruba nos cantos e nas invocações utilizadas.
Apesar dos textos de muitos cânticos circularem em livros desde o fim do século dezenove, a partir de Nina Rodrigues – e apesar do alerta dramático de Sílvio Romero acerca da perda irreparável da literatura oral em línguas africanas ainda faladas no Brasil naquela época - eles não haviam ainda sido traduzidos ao português até recentemente. 
Por mais de um século nutriu-se a ideia de que o idioma ioruba havia se deteriorado, ao misturar-se com os idiomas Jeje e Fon (o que teria resultado no famoso complexo Jeje-Nagô) e que dele só haviam sobrado palavras soltas, invocações ou pequenos fragmentos de cantos, mas que em essência todo o repertório nessa língua estaria perdido. 
Essa crença estava implícita na atitude dos autores face os cantos do Candomblé. 
Um bom exemplo pode ser o trabalho de Pierre Verger Notas sobre os Cultos dos Orixás e dos Vodus, em que aparecem centenas de textos de cantos sagrados em ioruba (Verger 1999).
Significativamente, ele ofereceu tradução de todos os textos coletados na África; já os textos coletados na Bahia foram igualmente transcritos com o maior cuidado em ioruba, mas nenhuma tradução foi oferecida.
Vejamos primeiro uma canção dedicada a Exu, com a qual sempre se abre a maioria dos rituais públicos de Candomblé, Xangô ou Batuque no Brasil. 
Exu, como sabemos, é o deus mensageiro, que abre (ou fecha) os caminhos do mundo.


Ìbà àgbà o, àgbà o, mo júbà ìbà á e
Àgbò àgbò àgbò mo júbà 
o madé kú ilé
Ìbà àgbò àgbò mo júbà 
Elégbàrá àgò l'ónà


Com todo o respeito, inclino-me diante de vocês e rogo sua atenção 
nossas preces serão atendidas
Com todo o respeito, inclino-me diante de vocês e rogo sua atenção crianças, desejo-lhes tudo de bom em sua casa. 
Com todo o respeito, inclino-me diante de vocês e rogo sua atenção
Elégbàrá, limpe o caminho
Esta mesma canção foi preservada no repertório da santeira cubana. 


Eis uma versão, editada e traduzida por John Mason no seu livro:


Ìbà’rá’go àgò mo júbà 
omadé kóni’ko s’ìbà’go àgò mo júbà 
Elegbá È ù l'onà
(Mason 1992:61).


E agora uma variante de Trinidad, recolhida e traduzida por Maureen
Warner- Lewis:


È ù Bàrágbó o mo júbà
ré, a ré
È ù Bàrágbó o mo júbà 
madé korin
Mo júbà ‘Rágbó o Mo júbà 
Alábàrà È ù Bàrà o
(Warner-Lewis 1994:37).