Caminhando pelas ruas das cidades beninenses de Uidá e de Porto Novo, o visitante se depara com alguns casarões no estilo colonial brasileiro, herança dos primeiros emigrantes brasileiros que chegaram ao país.
As "casas brasileiras" chamaram logo a atenção quando começaram a ser construídas, com os cômodos mais definidos, diferentes das moradias beninenses de até então.
Construídos em sua maioria durante o século 19, os casarões até hoje são chamados de "casas brasileiras."
São sobrados espaçosos, como os que ainda existem em várias cidades do interior do Brasil ou mesmo em Salvador, cidade inspiradora do que eles chamam de estilo brasileiro no Benin.
A maioria dos casarões, no entanto, está em péssimo estado de conservação.
Os agudás, descendentes de escravos ou de mestiços brasileiros que emigraram para o Golfo do Benin a partir do século 18, também foram os primeiros no país a fabricarem móveis como mesas, sofás e cadeiras.
Muitos dos descendentes de brasileiros preservam algumas peças que possuem há mais de cem anos.
Um exemplo é Francisca Paterson, integrante da família de Souza, que mantém em seu sobrado estilo colonial, cadeiras talhadas à mão, cristaleiras e mesas de cerca de 180 anos, herança de seus avós.
"Tentamos manter os móveis que foram confeccionados por nossos avós. Também conseguimos conservar algumas portas originais do casarão. Pena que a madeira não veio do Brasil", explica Francisca.
O sobrado onde vive a família Paterson é conhecido por todos os agudás em Porto Novo.
A construção é uma das poucas casas de dois andares da região.
A casa está catalogada como patrimônio histórico nacional e César Achille Paterson, filho de Francisca, está trabalhando em um projeto que visa restaurar os imóveis considerados históricos.
A Grande Mesquita, marca da nossa arquitetura
Foi somente com os “brasileiros” que esta região da África entrou na era das construções duráveis, feitas com tijolos, segundo a técnica e o estilo de arquitetura empregados no Brasil do século XIX.
Um dos exemplos mais notáveis é a grande Mesquita de Porto Novo, capital do Benim, concluída em 1930, cuja fachada é a cópia perfeita de uma igreja barroca baiana, à qual se acrescentou um minarete.
A força dessa mesquita está em sua delicadeza rústica e acolhedora.
A monumentalidade da natureza, a árvore de fromagê e o rio Níger (que passa em frente), integram a sua arquitetura.
A escala da árvore em relação à mesquita expressa muito bem o peso da natureza diante da cultura, dentro da mentalidade africana.
No momento, já existe um projeto de restauração da mesquita, tal como de outros edifícios catalogados como patrimônio histórico.
A Comunidade Islâmica de Porto Novo
Uma das características mais importantes dos afro-brasileiros e de seu modo particular de vida era a sua atitude face à religião.
É interessante notar-se que os antigos escravos exerceram um papel de impacto sobre a religião escolhida, fosse o cristianismo ou o islamismo.
A adesão ao islamismo que havia caracterizado muitos dos participantes nas rebeliões da Bahia e que os separara dos outros escravos no Estado, continuou a influenciar os afro-brasileiros, ao retornarem África Ocidental.
Em Porto-Novo, os negócios da comunidade muçulmana que repercutiam na política da cidade costeira foram diretamente afetados com a presença dos afro-brasileiros.
As famílias de Marcos Moreira da Souza, e Paraíso formavam os pilares da comunidade islâmica de Porto-Novo.
Indiscutivelmente o personagem principal da comunidade era Paraíso.
José Paraíso tinha se estabelecido como negociante em Porto-Novo, antes de 1850; tornou-se conselheiro do rei Sodji e ajudou-o a redigir um Tratado de Protetorado para a cidade em 1863.
Paraíso, por causa de sua ligação íntima com as autoridades nativas de Porto-Novo e de suas relações vantajosas com os europeus, veio a ser o chefe da comunidade muçulmana da cidade.
Em 1883 houve pretendentes rivais ao cargo de "imame".
Em razão de sua influência junto a Sodji e as relações cordiais com o protetorado francês, Paraíso pôde ver nomeado seu candidato.
Vê-se, pois um clã ou estirpe patriarcal, os Paraiso, desenvolver-se durante o século dezenove em Porto- Novo.
Paraíso e as outras famílias muçulmanas afro-brasileiras liderando a comunidade muçulmana podem ser considerados um grupo distinto; eram afro-brasileiros com uma herança brasileira aparente, na linguagem falada, o português, e na escolha de roupas ternos brancos e chapéus panamá.
A mesquita que foi construída sob a direção de Paraíso possuía um estilo arquitetônico europeu e é interessante considerar-se a relação entre capital e trabalho na construção dessa mesquita, pois Paraíso e seus companheiros afro-brasileiros forneceram o capital, enquanto o trabalho foi efetuado pelos muçulmanos locais.
Uma distinção ou diferença cultural existia entre as duas comunidades muçulmanas no momento de seu contato inicial, em meados do século dezenove; as diferenças realmente não diminuíram, pois, mais afro-brasileiros muçulmanos continuaram a emigrar para Porto Novo durante as últimas décadas do século dezenove.
Cerca de 1906, a população muçulmana de Porto Novo foi avaliada em mais de três mil pessoas; centenas de crianças eram educadas nas escolas corânicas.
A comunidade islâmica nativa de Porto-Novo cuidou, durante as duas primeiras décadas do século vinte, de purificar a religião; esse movimento foi iniciado pelo "al-hajj" Monteirou Soule e um grupo de muçulmanos recém-vindos do "hadj".
Um ataque doutrinário direto foi efetuado contra o clã dos Paraíso e seus defensores afro-brasileiros; consideravam-nos europeus demais, em boas relações de amizade com europeus e cristãos (especialmente afro-brasileiros cristãos).
As relações de Paraíso com os franceses, o fato de a Primeira Guerra Mundial haver começado e os outros brasileiros muçulmanos provarem ser leais aos franceses, serviram para mantê-los firmes como força política dominante dentro de Porto-Novo.