Como é?
Noticiam os jornais que a polícia prendeu dois vadios e, de acordo com as leis e o código; processou-os por vadiagem.
Até ai a coisa não tem grande importância. Em toda a sociedade, há de haver por força vadios.
Uns, por doença nativa; outros, por vício.
Tem havido até vadios bem notáveis.
Dante foi um pouco vagabundo
Camões, idem
Bocage também
e muitos outros que figuram nos dicionários biográficos e têm estátua na praça pública.
Não vem, tudo isto ao caso; mas uma idéia puxa outra...
O que há de curioso no caso de polícia de que vos falei, é que os tais vadios logo se prontificaram a prestar fiança de quinhentos-réis, cada um, para se defenderem soltos.
Como é isto?
Vagabundos possuidores de tão importante quantia?
Há muito homem morigerado e trabalhador, por aí, que nunca viu tal dinheiro.
Deve haver engano, por força.
De resto, se não o há, sou de parecer que a tal lei está mal feita.
O legislador nunca devia admiti que vadios, homens que nada fazem, portanto, não ganham, pudessem dispor de dinheiro, e dinheiro grosso, para se afiançarem.
Ou eles o têm e obtiveram-no por meios e, portanto, não são vadios; ou, tendo-o e não trabalhando, são coisas muito diferentes de simples vadios.
Quem cabras não tem e cabritos vende...
Não sou, pois, bacharel, jurista, nem rábula e fico aqui.
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e aqui morreu em 1922.
Estudou engenharia, mas interrompeu o curso e foi ser funcionário da secretaria do Ministério da Guerra.
Dedicou-se, desde o tempo de estudante, às letras.
Escreveu nas principais revistas de sua época, como Fon-Fon, Careta, O Malho, Brás Cubas e muitas outras.
Grande parte de sua notável obra literária foi de cunho satírico e humorístico, servindo de exemplo Os Bruzundangas e Triste Fim de Policarpo Quaresma.
Merecem também destaques seus romances Recordações do Escrivão Isaias Caminha, Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá e Clara dos Anjos.
Deixou muitos contos, além dos constantes de seu livro Histórias e Sonhos.