Poemas (dois deles sem título)
Primeiro
1
pode ser que um homem se chame pinheiro
pode ser que este homem se mova
entre pinheiros se
comova de vê-los
se é que é possível estar atento
a qualquer coisa que se mova enquanto o vento
no coque dos pinheiros calmo
geme como se
se prestasse a seda sendo
arrastada através de um espinheiro
Segundo
que um homem se inscreva ao ouvir
o chamado: pinheiro
não é de arrepiar os cabelos
nem de pelar pinheiros
para que vento não se perceba em parte
alguma e algum vendo-o
ave empalhada em ramo tateante
não se detenha siga
rumo ao monte
2
caminho cerrado trecho de via interior
mergulho por escadaria
meus faróis disparam um túnel na treva porosa
fachopaco não alcanço nunca a desembocadura
ao longo
pegadas no arco dessa não-parede
impregnada de úmida música muda
pequenas solertes pessoas
só olhos flutuantes
lagartixas de cera
Raul Gusmão define-se pelo novo
nossos antigos desde muito pernósticas
barbatanas no estígio sorviam pérolas
dissolvidas em vinagre
não eram lá de palato muito fino
e a extravagância nada significava
eu pratico
rendilhados de prata e ouro onde
não há sequer
limalha de ouro migalha alguma
que disfarce a prata barata
da casa
e bebo a verde esmeralda salut
cifra da mater natura num
frasco de bolso a meio de xerez
em troca
da pérola mórbida doença afecção
a que me afeiçôo de um marisco
moribundo
no acre vinagre bebo
o revirente dos prados
a buliçosa reboada das
palmeiras
o friúme dos perfumes
tudo o que no vale
tudo que o verde (moitas manietando
aramados) veda
ao simiótico colhedor de
açafrão
Porto Alegre/Salvador,1989
Ronald Augusto, Rio Grande (RS), 1961. Poeta, músico, editor e crítico de poesia. Autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Vá de valha (1992), Confissões Aplicadas, Ed. Ameopoema, 2004, e No Assoalho Duro, Ed. Éblis, 2007.