A maldição das máscaras
Manthia Diawara
Manthia Diawara
Nos primeiros anos após a independência, Sékou Touré, líder revolucionário
da Guiné, mudou o objeto da revolução: a sua ira passou a concentrar-se noutros
grupos étnicos africanos da Guiné e nas suas tradições. Por um lado, a expulsão
de pessoas como o meu pai poderia justificar-se, devido aos seus valores
pequeno-burgueses que prejudicavam os esforços de coletivização do socialismo e
a administração eficiente e incorrupta do novo estado-nação. Por outro lado, a
expulsão de africanos ocidentais de outro país da África Ocidental com uma
herança histórica e cultural comum punha em causa o significado da
independência e da crença de Sékou Touré no pan-africanismo. Lembro-me que o
meu pai costumava dizer que Sékou Touré se tinha livrado dos franceses, a fim
de nos dominar: queria ter a certeza de que não havia ninguém a observá-lo,
quando a sua ira se virasse contra o seu próprio povo. O meu pai nunca tinha
aceitado o rótulo de contra-revolucionário como justificação para a
transformação da Guiné num Estado policial. Pretendia que Sékou Touré adaptasse
o seu governo revolucionário de modo a incluir a maior parte da população,
mesmo que isso significasse incluir os contra-revolucionários.
Outro erro trágico da revolução guineense foi o seu ataque
insistente às instituições tradicionais, acusando-as de serem práticas reacionárias.
A revolução, como Sékou Touré disse várias vezes, baseava-se em sistemas
comunitários africanos; distinguia-se de outros tipos de socialismo por ser um
socialismo africano. No entanto, Sékou Touré banira instituições, como as
danças tribais com máscaras, a adoração de ídolos e a estrutura de clã,
tradições que mantinham as comunidades unidas. Assim, ao mesmo tempo em que
afirmava a diferença entre o seu socialismo e o socialismo europeu, continuava
a julgar as tradições africanas segundo uma estreita perspectiva marxista.
Consequentemente, não conseguiu transformar os costumes e as
leis tradicionais dos clãs em algo dinâmico e moderno. Tal como a maior parte
dos líderes africanos, conseguiu apenas afastá-los de modo temporário e brutal.
Hoje, passados dez anos sobre a morte de Sékou Touré e a
queda da maior parte dos primeiros regimes nacionalistas africanos, as
máscaras, estatuetas e tradições orais â que constituem o principal suporte do
tribalismo em África â ressurgem como uma espécie de vingança. Quando aparecem
no mercado, pela mão de experientes marchands, as máscaras e estatuetas causam
uma impressão estranha, geralmente associada ao kitsch.
O regresso vingativo das máscaras, estatuetas e tradições
orais manifesta-se também na sobrevivência das sociedades secretas e dos
rituais de máscaras na Guiné. Alguns destes rituais já tinham sido abolidos
pelos muçulmanos no século XIX e início do século XX. Sékou Touré baniu os
rituais de máscaras e as sociedades secretas nos tempos iniciais do regime, sob
pretexto de serem reações contra-revolucionárias aos movimentos africanos de
progresso e unidade. Uma vez que todo o líder africano necessita de uma
religião ou de uma origem mítica a fim de consolidar a sua imagem, Sékou Touré
optou pelo misticismo islâmico em detrimento do poder mágico das máscaras e
acrescentou ao seu nome Ahmed, uma abreviatura do nome do profeta Maomé. Foi
assim que Ahmed Sékou Touré se tornou no inimigo declarado dos clãs que veneravam
máscaras e estatuetas.
Hoje em dia, os rituais de máscaras, tal como as seitas
cristãs radicais, estão de regresso a muitas aldeias. E, em consequência do
zelo e do fundamentalismo típicos dessas seitas, os aldeãos olham com nostalgia
para o passado, quando esses rituais eram puros, completos e viris. Pede-se aos
cidadãos mais velhos que recordem como esses rituais eram realizados: quantas
máscaras eram usadas, que passos de dança correspondiam a que máscaras, quem
podia participar e de que forma se distinguiam uns dos outros. Na realidade,
alguns dos rituais morreram no início do século XX e a sua memória sobrevive
apenas através da tradição oral. Contudo, estão a ser reconstituídos por todo o
lado na Guiné atual, como noutras partes de África, por minorias tribais em
busca da sua identidade étnica.
Estas minorias são ajudadas na sua demanda por antropólogos,
turistas e historiadores ocidentais que tendem a encarar de forma pouco
favorável o estado-nação africano. Por isso, as máscaras passaram a fazer parte
dos conflitos políticos globais como forças organizadoras de mercados,
identidades étnicas e culturais em oposição aos estados-nação e à unidade
africana. Na Guiné, por exemplo, a cerimónia de máscaras realizada pelos Baga
constitui uma expressão da identidade baga que o regime de Sékou Touré
reprimiu. Da mesma forma, a autenticidade da arte tradicional do Benim na
Nigéria, da arte Dogon no Mali e da arte Axante do Gana distingue estes grupos
étnicos de outros como sendo mais autênticos e originalmente africanos.
Efetivamente, a etnicidade está hoje na moda em África e
toda a gente, desde o intelectual ao comerciante, a reivindica contra a unidade
proposta pelo estado-nação. Alguns intelectuais africanos veem nas novas
tendências democráticas que agora se verificam em África uma esperança para o
futuro, no que respeita ao reconhecimento das diferenças étnicas no interior do
estado-nação. De acordo com esta lógica, as eleições não são em si mesmas
suficientes; o vencedor tem, além disso, de agir como Nelson Mandela na África
do Sul e nomear representantes das tribos para cargos no seu governo.
As mascaras à venda no mercado, mesmo nas suas manifestações
mais kitsch, representam a persistência da África tribal. As máscaras
simbolizam os clãs e, consequentemente, a negação do novo estado-nação que
tentou suprimi-las.