quinta-feira, 1 de março de 2012

A Arte da Resistência Africana


A maldição das máscaras
Manthia Diawara

Nos primeiros anos após a independência, Sékou Touré, líder revolucionário da Guiné, mudou o objeto da revolução: a sua ira passou a concentrar-se noutros grupos étnicos africanos da Guiné e nas suas tradições. Por um lado, a expulsão de pessoas como o meu pai poderia justificar-se, devido aos seus valores pequeno-burgueses que prejudicavam os esforços de coletivização do socialismo e a administração eficiente e incorrupta do novo estado-nação. Por outro lado, a expulsão de africanos ocidentais de outro país da África Ocidental com uma herança histórica e cultural comum punha em causa o significado da independência e da crença de Sékou Touré no pan-africanismo. Lembro-me que o meu pai costumava dizer que Sékou Touré se tinha livrado dos franceses, a fim de nos dominar: queria ter a certeza de que não havia ninguém a observá-lo, quando a sua ira se virasse contra o seu próprio povo. O meu pai nunca tinha aceitado o rótulo de contra-revolucionário como justificação para a transformação da Guiné num Estado policial. Pretendia que Sékou Touré adaptasse o seu governo revolucionário de modo a incluir a maior parte da população, mesmo que isso significasse incluir os contra-revolucionários.
Outro erro trágico da revolução guineense foi o seu ataque insistente às instituições tradicionais, acusando-as de serem práticas reacionárias. A revolução, como Sékou Touré disse várias vezes, baseava-se em sistemas comunitários africanos; distinguia-se de outros tipos de socialismo por ser um socialismo africano. No entanto, Sékou Touré banira instituições, como as danças tribais com máscaras, a adoração de ídolos e a estrutura de clã, tradições que mantinham as comunidades unidas. Assim, ao mesmo tempo em que afirmava a diferença entre o seu socialismo e o socialismo europeu, continuava a julgar as tradições africanas segundo uma estreita perspectiva marxista.
Consequentemente, não conseguiu transformar os costumes e as leis tradicionais dos clãs em algo dinâmico e moderno. Tal como a maior parte dos líderes africanos, conseguiu apenas afastá-los de modo temporário e brutal.
Hoje, passados dez anos sobre a morte de Sékou Touré e a queda da maior parte dos primeiros regimes nacionalistas africanos, as máscaras, estatuetas e tradições orais â que constituem o principal suporte do tribalismo em África â ressurgem como uma espécie de vingança. Quando aparecem no mercado, pela mão de experientes marchands, as máscaras e estatuetas causam uma impressão estranha, geralmente associada ao kitsch.
O regresso vingativo das máscaras, estatuetas e tradições orais manifesta-se também na sobrevivência das sociedades secretas e dos rituais de máscaras na Guiné. Alguns destes rituais já tinham sido abolidos pelos muçulmanos no século XIX e início do século XX. Sékou Touré baniu os rituais de máscaras e as sociedades secretas nos tempos iniciais do regime, sob pretexto de serem reações contra-revolucionárias aos movimentos africanos de progresso e unidade. Uma vez que todo o líder africano necessita de uma religião ou de uma origem mítica a fim de consolidar a sua imagem, Sékou Touré optou pelo misticismo islâmico em detrimento do poder mágico das máscaras e acrescentou ao seu nome Ahmed, uma abreviatura do nome do profeta Maomé. Foi assim que Ahmed Sékou Touré se tornou no inimigo declarado dos clãs que veneravam máscaras e estatuetas.
Hoje em dia, os rituais de máscaras, tal como as seitas cristãs radicais, estão de regresso a muitas aldeias. E, em consequência do zelo e do fundamentalismo típicos dessas seitas, os aldeãos olham com nostalgia para o passado, quando esses rituais eram puros, completos e viris. Pede-se aos cidadãos mais velhos que recordem como esses rituais eram realizados: quantas máscaras eram usadas, que passos de dança correspondiam a que máscaras, quem podia participar e de que forma se distinguiam uns dos outros. Na realidade, alguns dos rituais morreram no início do século XX e a sua memória sobrevive apenas através da tradição oral. Contudo, estão a ser reconstituídos por todo o lado na Guiné atual, como noutras partes de África, por minorias tribais em busca da sua identidade étnica.
Estas minorias são ajudadas na sua demanda por antropólogos, turistas e historiadores ocidentais que tendem a encarar de forma pouco favorável o estado-nação africano. Por isso, as máscaras passaram a fazer parte dos conflitos políticos globais como forças organizadoras de mercados, identidades étnicas e culturais em oposição aos estados-nação e à unidade africana. Na Guiné, por exemplo, a cerimónia de máscaras realizada pelos Baga constitui uma expressão da identidade baga que o regime de Sékou Touré reprimiu. Da mesma forma, a autenticidade da arte tradicional do Benim na Nigéria, da arte Dogon no Mali e da arte Axante do Gana distingue estes grupos étnicos de outros como sendo mais autênticos e originalmente africanos.
Efetivamente, a etnicidade está hoje na moda em África e toda a gente, desde o intelectual ao comerciante, a reivindica contra a unidade proposta pelo estado-nação. Alguns intelectuais africanos veem nas novas tendências democráticas que agora se verificam em África uma esperança para o futuro, no que respeita ao reconhecimento das diferenças étnicas no interior do estado-nação. De acordo com esta lógica, as eleições não são em si mesmas suficientes; o vencedor tem, além disso, de agir como Nelson Mandela na África do Sul e nomear representantes das tribos para cargos no seu governo.
As mascaras à venda no mercado, mesmo nas suas manifestações mais kitsch, representam a persistência da África tribal. As máscaras simbolizam os clãs e, consequentemente, a negação do novo estado-nação que tentou suprimi-las.