No mundo dos feitiços - Os feiticeiros
Os Alufás têm um rito diverso.
São maometanos com um fundo de misticismo.
Quase todos dão para estudar a religião, e os próprios
malandros que lhes usurpam o título sabem mais que os orixás.
Logo depois do suma ou batismo e da circuncisão ou kola, os Alufás
habilitam-se à leitura do Alcorão.
A sua obrigação é o kissium, a prece.
Rezam ao tomar banho, lavando a ponta dos dedos, os pés e o
nariz, rezam de manhã, rezam ao pôr-do-sol.
Eu os vi, retintos, com a cara reluzente entre as barbas
brancas, fazendo o aluma gariba, quando o crescente lunar aparecia no céu.
Para essas preces, vestem o abadá, uma túnica branca de
mangas perdidas, enterram na cabeça um filá vermelho, donde pende uma faixa branca,
e, à noite, o kissium continua, sentados eles em pele de carneiro ou de tigre.
- Só os Alufás ricos sentam-se em peles de tigre, diz-nos
Antônio.
Essas criaturas contam à noite o rosário ou tessubá, têm o
preceito de não comer carne de porco, escrevem as orações numas taboas, as atô,
com tinta feita de arroz queimado, e jejuam como os judeus quarenta dias a fio,
só tomando refeições de madrugada e ao pôr-do-sol.
Gente de cerimonial, depois do assumy, não há festa mais
importante como a do ramadan, em que trocam o saká ou presentes mútuos.
Tanto a sua administração religiosa como a judiciária estão
por inteiro independentes da terra em que vivem.
Há em várias tribos vigários gerais ou ladamos, obedecendo
ao lemano, o bispo, e a parte judiciária está a cargo dos alikaly, Juizes,
sagabamo, imediatos de juizes, e assivajiú, mestre de cerimônias.
Para ser alufá é preciso grande estudo, e esses pretos que
se fingem sérios, que se casam com gravidade, não deixam também de fazer amuré
com três e quatro mulheres.
- Quando o jovem Alufá termina o seu exame, os outros dançam
o opasuma e conduzem o iniciado a cavalo pelas ruas, para significar o triunfo.
- Mas essas passeatas são impossíveis aqui, brado eu.
- Não são. As cerimônias realizam-se sempre nas estações dos
subúrbios, em lugares afastados, e os Alufás, vestem as suas roupas brancas e o
seu gorro vermelho.
Naturalmente Antônio fez-me conhecer os Alufás:
Alikali; o lemano atual, um preto de pernas tortas, morador
à rua Barão de S. Félix, que incute respeito e terror; o Chico Mina, cuja filha
estuda violino, Alufapão, Ojó, Abacajebú, Ginjá, Manê, brasileiro de
nascimento, e outros muitos.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
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