Arquitetura na África
No sul de Marrocos entre palmeiras aparecem edificações
fortificadas em terra que foram a residência dos senhores, onde se abrigavam as
populações dos ataques de invasores e onde as caravanas vindas do Este de
África para o Maghreb se refugiavam. A técnica de construção é variável ao
contrário da sua fragilidade.
Os vales do Draa e Dades são férteis nestes castelos de
areia.
O Casbah de Ait Benhaddou perto de Ouarzazate foi
considerado património mundial pela UNESCO.
Ait-Benhaddou chamava-se outrora Aït Aïssa, uma referência à
sua fundação lendária por um antigo viajante.
Outra lenda contada localmente fala-nos de Kahîna, uma
rainha cristã que se teria oposto ao avanço do islamismo na região.
Teria sido este personagem, ao qual se atribuíam poderes
mágicos, que teria mandado construir as muralhas da cidadela de Ait-Benhaddou,
o mais belo ksar do sul de Marrocos.
Os ksour (plural de ksar) são povoações fortificadas,
construídas na maioria dos casos em tijolo de terra.
O de Telouet, abandonado em 1956, foi durante largas décadas
sede do poder dos Glaoui, tribo que conservou sempre certa independência
relativamente ao poder do bají de Marrakesh.
No início do século XX, quando Marrocos constituía um protetorado
francês, o caíd Al-Maidani foi um garante da fidelidade do sul ao ocupante
estrangeiro.
A queda dos Glaoui começou a desenhar-se logo a seguir à
segunda guerra mundial, quando o clã se manteve distanciado de Mohammed V,
futuro soberano de Marrocos.
As comunidades foram-se dispersando e muitos dos kasbahs
acabaram nas ruínas que hoje desenham a paisagem do flanco sul do Atlas, de
Telouet aos vales do Dadés e do Todra, do Vale do Draa às regiões orientais do
Ziz e do Tafilalet.
A estrada que leva a Ouarzazate, uma cidade moderna fundada
pelos franceses, torna-se agora mais plana.
A aridez que prenuncia o grande vazio do Saara conquista
pouco a pouco todo o horizonte.
A cerca de trinta quilómetros de Ouarzazate, ponto de
partida frequente para os viajantes que metem os pés ao caminho na «Rota dos
Kasbahs», uma estrada secundária faz a ligação a Ait-Benhaddou, uma das
povoações do gênero mais bem conservadas em toda a região.
O Oued Malih é um rio praticamente sem água a maior parte do
ano.
Apenas no Inverno e na Primavera o antigo ksar de
Ait-Benhaddou fica isolado da pequena povoação, mais moderna, construída do
lado de lá pelos emigrantes regressados de temporadas de trabalho em
Casablanca, Agadir ou no estrangeiro.
Restauro sob os auspícios aa UNESCO em Ait-Benhaddou
Os kasbahs do sul e a tipologia das construções são
obviamente devedoras a circunstâncias históricas, condições climáticas e aos
materiais disponíveis localmente.
O sistema defensivo de muralhas que fazem corpo com as casas
justificava-se pela necessidade de proteção contra os ataques dos nómadas.
Os habitats previam, assim, a possibilidade de abrigarem não
apenas os habitantes como também os animais, as colheitas e as caravanas que vinham
do Tafilalet para Marrakesh ou faziam o caminho para o sul.
Justamente, a localização das tribos Glaoui nesta área foi
também um dos fatores da sua fortuna. Este ponto do Atlas sempre foi uma
encruzilhada estratégica, tendo em conta as rotas das caravanas que ligavam os
mercados no norte de África com Timbuctu, nas margens do Níger, três mil
quilómetros a sul e a cinquenta e dois dias de viagem, como anunciam
humorísticos cartazes em Agdz ou em Zagora, no Vale do Draa.
O tipo de arquitetura de terra de Ait-Benhaddou é semelhante
ao de muitos outros ksour.
Os edifícios são construídos com tijolos de terra secos ao
sol, podem ter quatro ou cinco andares, excepcionalmente seis ou sete, e as
torres são invariavelmente decoradas com motivos geométricos, particularmente
as dos tighremts, as casas mais nobres.
Os materiais utilizados neste gênero de arquitetura exigem
naturalmente uma manutenção atenta e permanente.
Pelo menos uma vez por ano, logo a seguir à estação das
chuvas, é necessário inspecionar minuciosamente as fissuras e os canais de
drenagem da água.
A possibilidade de beneficiarem de eletricidade e de água
corrente no novo povoado do outro lado do rio atraiu pouco a pouco a quase
totalidade dos habitantes de Ait-Benhaddou, de tal forma que nem sequer uma
dezena de famílias permanecia no kasbah em 1987, quando a UNESCO decidiu
inscrever a aldeia na lista de lugares classificados como Patrimônio da
Humanidade.
Precisamente um ano antes havia sido criado com o apoio
financeiro e técnico da ONU um organismo vocacionado para o restauro deste
género de povoações, o CERKAS (Centre de Conservation et de Réabilitation des
Kasbahs).
Um dos objetivos era criar um quadro de cooperação com
outras entidades regionais no sentido de dinamizar a implantação de infraestruturas
que favorecessem a vida económica e social e a reocupação da aldeia.
Se este propósito ficou até agora no papel, a atividade do
novo organismo centrou-se ao longo dos anos noventa no restauro das muralhas e
da mesquita, no apoio aos cidadãos residentes para a reconstrução das suas
casas e em diversas medidas de conservação. Esta intervenção foi
particularmente impreterível na sequência das chuvas torrenciais que se
abateram sobre a região em 1989 e causaram graves danos em quase toda a aldeia.
O frágil coração de Ait-Benhaddou regressou então
parcialmente à sua origem, como num ciclo que devolvesse à terra o que é da
terra.