No mundo dos feitiços - Os feiticeiros
Os Alufás não gostam da gente de santo a que chamam
auauadó-chum; a gente de santo
despreza os bichos que não comem porco, tratando-os de malês.
Mas acham-se todos relacionados pela língua, com costumes
exteriores mais ou menos idênticos e vivendo da feitiçaria.
Os orixás fazem sacrifícios, afogam os santos em sangue,
dão-lhes comidas, enfeites e azeite-de-dendê.
Os Alufás, superiores, apesar da proibição da crença, usam
dos aligenum, espíritos diabólicos chamados para o bem e o mal, num livro de
sortes marcado com tinta vermelha e alguns, os maiores, como Alikali, fazem até
idams ou as grandes mágicas, em que a uma palavra cabalística a chuva deixa de
cair e obis aparecem em pratos vazios.
Antes de estudar os feitiços, as práticas por que passam as
iauô nas camarinhas e a maneira dos cultos, quis ter uma impressão vaga das
casas e dos homens.
Antônio levou-me primeiro à residência de um feiticeiro Alufá.
Pelas mesas, livros com escrituras complicadas, ervas,
coelhos, esteiras, um calamo de bambu finíssimo.
Da porta o guia gritou:
- Salamaleco.
Ninguém respondeu.
- Salamaleco!
- Maneco Lassalama!
No canto da sala, sentado numa pele de carneiro, um preto
desfiava o rosário, com os olhos
fixos no alto.
- Não é possível falar agora. Ele está rezando e não quer
conversar.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
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