No mundo dos feitiços - Os feiticeiros
Quando entramos na casa de Oloô-Teté (Oluwo=Babalaô), o
matemático macróbio e sensual, uma velha mina, que cantava sonambulicamente,
parou de repente.
- Pode continuar.
Ela disse qualquer coisa de incompreensível.
- Está perguntando se o senhor lhe dá dois tostões, ensina-nos
Antônio.
- Não há dúvida.
A preta escancara a boca, e, batendo as mãos, põe-se a
cantar:
Baba ounlô, ó xocotám, o ilélê.
- Que vem a ser isso?
- É o final das festas, quando o santo vai embora. Quer
dizer: papai já foi, já fez, já acabou; vai embora!
Eu olhava a réstia estreita do quintal onde dormiam jabotis.
- O jaboti é um animal sagrado?
- Não, diz-nos o sábio Antônio. Cada santo gosta do seu
animal. Xangô, por exemplo, come jaboti, galo e carneiro.
Abaluaié, pai de varíola, só gosta de cabrito.
Os pais-de-santo são obrigados pela sua qualidade a fazer
criação de bichos para vender e tê-los sempre à disposição quando precisam de
sacrifício.
O jaboti é apenas um bicho que dá felicidade.
O sacrifício é simples. Lava-se bem, às vezes até com champanha,
a pedra que tem o santo e põe-se dentro da terrina.
O sangue do animal escorre; algumas das partes são levadas
para onde o santo diz e o resto a roda come.
- Mas há sacrifícios maiores para fazer mal às pessoas?
- Há! para esses até se matam bois.
- Feitiço pega sempre, sentencia o ilustre Oloô-Tetê, com a
sua prática venerável.
Não há corpo-fechado. Só o que tem é que uns custam mais.
Feitiço para pegar em preto é um instante, para mulato já
custa, e então para cair em cima de branco a gente sua até não poder mais. Mas
pega sempre.
Por isso preto usa sempre o assiqui, a cobertura, o breve, e
não deixa de mastigar obi, noz de cola preservativa.
Para mim, homem amável, presentes alguns companheiros seus,
Oloô-Tetê tirou o opelé que há muitos anos foi batizado e prognosticou o meu
futuro.
Este futuro vai ser interessante.
Segundo as cascas de tartaruga que se voltavam sempre aos
pares, serei felicíssimo, ascendendo com a rapidez dos automóveis a escada de
Jacó das posições felizes.
É verdade que um inimigozinho malandro pretende perder-me.
Eu, porém, o esmagarei, viajando sempre com cargos elevados
e sendo admirado.
Abracei respeitoso o matemático que resolvera o quadrado da
hipotenusa do desconhecido.
- Põe dinheiro aqui - fez ele.
Dei-lhe as notas. Com as mãos trêmulas, o sábio a apalpou
longamente.
- Pega agora nesta pedra e nesta concha. Pede o que tiveres
vontade à concha, dizendo sim, e à pedra dizendo não.
Assim fiz. O opelé caiu de novo no encerado.
A concha estava na mão direita de Antônio, a pedra na
esquerda, e Oloô tremia falando ao santo, com os negros dedos trêmulos no ar.
- Abra a mão direita! ordenou.
Era a concha.
- Se acontecer, ossumcê dá presente a Oloô?
- Mas decerto.
Ele correu a consultar o opelé. Depois sorriu.
- Dá, sim, santo diz que dá. - E receitou-me os
preservativos com que eu serei invulnerável.
Também eu sorria. Pobre velho malandro e ingênuo!
Eu perguntara apenas, modestamente, à concha do futuro se
seria imperador da China...
Enquanto isso, a negra da cantiga entoava outra mais alegre,
com grande gestos e risos.
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
- E esta, o que quer dizer?
- É uma cantiga de Orixalá. Significa: O homem do dinheiro
está aí. Vamos erguê-lo...
Apertei-lhe a mão jubiloso e reconhecido.
Na alusão da ode selvagem a lisonja vivia o encanto da sua
vida eterna...
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
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