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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Arquitetura colonial na Abissínia Italiana, atual Etiópia

Harar é uma cidade tipicamente muçulmana que se encontra situada no cume de uma colina a 850 metros de altitude.
A muralha conta com 25 torres e cinco portas de entrada dando acesso a uma vila, onde as casas coroadas com terraços, os moradores conversam ao cair da tarde.
Becos estreitos da Medina onde os comerciantes abrem as portas de suas lojas e os cheiros das espécies ficam espalhadas por toda a cidade, e a Grande Mesquita.
Como curiosidades pode-se visitar a Casa de Rimbaud, casa de madeira e vidro que habitou o poeta durante a sua estadia na cidade e o Mercado, um dos mais antigos do mundo.

Rimbaud

Muito já se escreveu sobre o poeta Arthur Rimbaud. Na verdade, nem tudo foi justo, e talvez pela própria enfermidade de que sofrem suas biografias quanto a interpretações e à pluralidade de dados sobre um mesmo fato, crescem os equívocos.
A obra de Rimbaud, em todo seu percurso, alimenta-se das cidades, dos desertos, dos venenos e do fogo que ele mesmo sonhou ou roubou de sua própria vida.
É impossível enxergá-la de outra maneira sem perder o que de mais forte e latente a sustenta verso a verso.
Em Rimbaud, até a forma é biográfica: o rigor métrico de seus primeiros versos identifica-se com a disciplina a que foi submetido em sua infância.
A liberdade e a ousadia dos poemas em prosa refletem as transgressões dos períodos em que os escreveu na juventude.
E o silêncio ou a frieza contida em sua correspondência africana, contabilizam a matemática do explorador. Portanto, para Rimbaud, o que sempre contou foi a vida.
Além da França, Harar (Etiópia), onde Rimbaud viveu seus últimos anos antes de retornar à França e morrer de câncer, também se uniu a Charleville nas comemorações.
A casa onde Rimbaud passou sua adolescência deu lugar a Maison Rimbaud. 150 anos e ainda tão vivo tão atual, tão genial, tão assombroso, tão insuperável.
Escolhi uma poesia do "Iluminações" (trad. Ledo Ivo) para homenagear alguém que teve um impacto muito grande na minha vida hoje mexe muito com esta cabeça. Que a vida nos traga novos Rimbauds...

Vidas - III

Num sótão em que me encerraram aos doze anos, conheci o mundo, ilustrei a comédia humana. Num celeiro aprendi a história. Em certa festa noturna, numa cidade do Norte, reencontrei todas as mulheres dos antigos pintores. Numa velha travessa em Paris, ensinaram-me as ciências clássicas. Numa magnífica residência rodeada por todo o Oriente, terminei minha imensa obra e atingi minha insigne solidão. Misturei meu sangue. Meu dever me foi restituído. Não é preciso mais pensar nisso. Sou realmente além-túmulo, e não tenho mensagens... e vidente.
Quando partiu para o continente africano, tinha algumas economias de que se orgulhava:
Aproximadamente quatrocentos francos. Uma vida nova abria-se para ele, rica de possibilidades e de esperança.
Os horizontes mágicos da Abissínia e de Zanzibar ofereciam-se a seus sonhos. Como aqueles lugares fabulosos eram bonitos no mapa!
Mas, perdendo-se na teia de aranha por ele mesmo tecida entre Aden e Djibuti, Zeilah e Harar, só iria abandonar aquele inferno ao ser alcançado pela morte.

Assim foi a vida trágica de Rimbaud, único na história dos homens.
A magia de seu verbo e o mistério de seu destino continuará a exercer sobre nós um poder exaltante de sonho e de emoção.
A vida terrestre de Arthur Rimbaud terminou exatamente no mesmo dia em que um editor parisiense publicava a primeira coletânea de suas poesias destinada ao grande público.
Seu destino foi ser só, terrivelmente e sempre só. Por outro lado, era um ardenês, isto é, um temperamento inflexível e difícil.
Ele deixou na África alguns amigos que o choraram com sinceridade, mas antes ele brigara com quase todos os que o conheceram (Izambard, Verlaine, Todos os parnasianos, Alfred Bardey, etc.) e abandonara os outros (Delahaye, Nouveau). Sua morte o conciliou com todos.
As palavras desagradáveis, os acessos de raiva foram esquecidos, e cada um, sufocando o ressentimento, foi prestar à sua memória uma homenagem de fidelidade e amizade. Graças a eles, às lembranças de uns, aos fantasmas ou uma personagem mítica, mas como um ser de carne e sangue, bem perto de nós.
Devemos isto, sobretudo a Verlaine: sem a fé que não parou de animar o autor de Romans sans Paroles, Rimbaud teria deixado apenas a lembrança de um boêmio de vanguarda que assustou o Quartier Latin durante uma ou duas estações.
Em 1881, o nome de Rimbaud era quase totalmente desconhecido do público letrado.
Foi quando Verlaine concebeu o projeto temerário de revelar que genial poeta fora o seu amigo desaparecido.
Não possuía mais nada dele, nem manuscritos, nem cópias, nem documentos, tudo havia sumido no naufrágio de sua vida.
Uma de suas primeiras providências é significativa: em setembro de 1881, ele arrisca pedir a Léon Valade, com quem estava brigado há dez anos, para lhe enviar, se ele os tinha, "Vaisseau ivre" (sic) e os "Veilleurs", de Rimbaud (Este poema não foi encontrado).
Aí está a prova de que sua memória era também falha.
Depois de dois anos de pacientes pesquisas, Verlaine estava pronto para publicar um pequeno estudo sobre o Sr. Arthur Rimbaud, poeta maldito, num jornalzinho do Quartier Latin, Lutèce (outono de 1883).
Dele citava, a partir de cópias mais ou menos corretas, "Voyelles", "Le bateau ivre", "Les assis", e alguns poemas ou fragmentos; o essencial estava salvo.
Essa publicação valeu duas visitas a Verlaine, uma de um jovem poeta, Rodolphe Darzens, que prometeu ajudá-lo, e outra, de certo Sr. Georges Izambard, que declarou ter sido em Charleville professor e amigo "daquele Arthur", conforme as palavras de Verlaine.
Pouco depois, Izambard trouxe para Verlaine, extasiado, todo o seu dossiê Rimbaud, que compreendia poemas, deveres, provas, cartas.
Infelizmente, Verlaine teve a imprudência de confiar aqueles tesouros a seu editor Léon Vanier, que, durante muito tempo, não quis restituí-los de jeito nenhum --- e vendeu até vários deles (especialmente a Darzens).
Três anos mais tarde, Mathilde Mauté, a ex-mulher de Verlaine, estando perto de se casar de novo, permitiu que seu irmão, Charles de Sivry, confiasse ao diretor de uma revista (La Vogue), para publicação, as Illuminations de Rimbaud que Verlaine havia emprestado a de Sivry para musicá-las, juntamente com outros poemas de 1872 (É o que se supõe).
Não há outra razão plausível para que Verlaine as emprestasse. Nota). Até então, ela se opusera a essa publicação, temendo despertar incômodas lembranças.
E só permitiu sob a condição de Verlaine não ter nisto nenhuma participação. No entanto, ele escreveu o prefácio da coletânea que apareceu no fim de 1886.
O sucesso foi grande, mas limitado. Rimbaud era conhecido só por uma elite; falavam dele como de uma personagem lendária, como de "uma voz do além". Aproveitando de sua ausência, alguns jovens inconsequentes tiveram a ousadia de lhe atribuir alguns sonetos no mais puro estilo decadente, com que o Quartier Latin se divertiu nos anos 1889-1890.
Verlaine se insurgiu, mas não tinha muita força sobre a nova geração; doente, arrastava-se de hospital em hospital.
Teve que lutar durante muito tempo para que acabassem com aquela brincadeira de mau gosto. Como conseguira novos textos, autênticos, de seu amigo desaparecido, ele se preparava para fazer um volume de suas obras, aí compreendida Une Saison en Enfer, que Darzens havia reencontrado.
Deveria ser uma edição de luxo, com desenhos de Forain e de Régamey. Mas Darzens não perdia tempo. Tendo solicitado a Paul Demény, diretor de uma revista literária, La Jeune France, os dois cadernos de Douai escritos por Rimbaud e reunindo seus poemas de 1870, a maioria desconhecidos, teve a audácia de preparar, de sua parte, uma grande edição.
Verlaine estava derrotado: suas cópias, mais ou menos exatas, não tinham o mesmo valor dos magníficos autógrafos que possuía o seu rival. Mas o editor deste último quis andar depressa demais.
Aproveitando da ausência de Darzens, que tinha ido a Marselha falar com Rimbaud moribundo (ele pôde vê-lo, mas não lhe falar), precipitou a publicação e de suas impressoras saiu um volume intitulado Reliquaire, precedido de um prefácio com notas esparsas, sem estilo e com palavras muito cruas.
Naturalmente, Darzens abriu um processo, a Justiça apreendeu a obra, e o editor teve que fugir para o estrangeiro. Este escândalo era bem ao gosto de Verlaine.
Darzens quisera lhe passar a perna, agora tinha o troco. De posse dos preciosos textos do Reliquaire, ele se apressou em publicar, no fim de 1891, o grande volume das Poésies Complètes de Rimbaud, com que sonhava há dez anos.
Logo as provas estavam prontas, quando um acontecimento imprevisto pôs tudo a perder.
O cidadão francês Jean Nicolas-Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro de 1854 - há exatamente 150 anos, portanto - e morreu 37 anos mais tarde, em 10 de novembro de 1891.
O poeta Arthur Rimbaud nasceu lá por volta dos 15 anos e "morreu" aos 19. A partir daí seria Rimbaud, o aventureiro, o traficante, o mártir.
Foram várias vidas em uma. Ou melhor: uma vida vivida sob múltiplas formas.
É mesmo um enigma: como é que alguém escreve O Barco Ébrio e outros poemas fundamentais (além das prosas de Uma Temporada no Inferno e As Iluminações), dá uma banana à literatura e desaparece quase sem deixar rastro?
Quando morreu, mutilado e agonizante de dor num hospital de Marselha, Rimbaud quase já não era mais lembrado pelos seus contemporâneos.
Sua obra teve que esperar algumas décadas para reingressar na corrente sanguínea da literatura francesa e a partir daí aparecer para o mundo. Mas o que houve entre o abandono da poesia e a morte aos 37 anos?
Assim que completou O Barco Ébrio, Rimbaud despachou o poema para Paris. O destinatário era o poeta de 27 anos e recém-casado Paul Verlaine (1844-1896), que começava a aparecer no cenário com seus versos musicais.
Entusiasmado, Verlaine convocou Rimbaud para a Cidade-Luz, na época a capital literária do mundo, com seus cafés, uma infinidade de revistas e um clima cultural que atraía exilados de todas as nacionalidades, idiomas e tendências políticas e sexuais.
A grande mudança aconteceria em 1880. Trabalhando numa firma francesa estabelecida no Chipre, Rimbaud (que a essa altura não escrevia mais uma mísera linha de verso ou prosa) parte para o Egito, na época um dos grandes entrepostos coloniais.
Empregado em outra empresa francesa, é designado para abrir uma filial em Harar, na Abissínia (atual Etiópia), sob o sol escaldante da África.
A viagem a cavalo pelo deserto da Somália leva 20 dias. Harar era então uma cidade meio misteriosa, dominada pelo código severo do Islã, um pedaço do mundo em que poucos homens brancos haviam se aventurado, onde o termômetro marca 30 graus centígrados no "inverno".
Mas Rimbaud resolve diversificar sua atividade comercial. Viaja pelo deserto para comprar marfim e peles, negociando com as tribos nômades e com os donos do pedaço, sultões fascinados pelas armas de fogo.
Também começa a se interessar por explorações (foi um dos primeiros europeus a atravessar a estrada de Antotto a Harar), encomenda uma máquina fotográfica e escreve artigos para revistas de geografia.
Uma imagem famosa desse período é seu retrato com o rosto calcinado pelo sol ardente, a barba cerrada, o olhar severo. Parecia um "pobre bugre armênio", como definiu um amigo que o visitou na África.
Mudando-se para Aden (no Iêmen), Rimbaud consegue fazer muito mais negócios. E se embrenha na vida local: uma de suas companhias mais frequentes era uma mulher da tribo islâmica argoba.
Aprende o árabe e um punhado de dialetos. Fascina-se por alguns aspectos da religião islâmica. O selo com que lacrava suas cartas levava uma fórmula do Corão com o nome Abdalah, "servidor de Deus".
Seu senso de justiça era admirado pelos nativos. Chamavam-lhe "a balança exata".
Cansado de ser empregado, interessa-se pelo tráfico de armas. Parecia-lhe simples: mandava trazer de Liège (Bélgica) fuzis reformados que custavam apenas oito francos. Revendia-os por 40. Lucro fácil.
Mas as coisas não saíram como o esperado, e o comerciante francês teve que desbravar o deserto em busca de compradores, negociando armas, peles e escravos com gente esperta e às vezes amargando prejuízos em meio às instabilidades políticas da região e às pilhagens. Sem falar nos empregados, que desertavam no meio do caminho, deixando-o no meio do nada.
Por essa época começa a sentir dores insuportáveis no joelho direito, que incha dia após dia, afinando a perna e impedindo-o de se locomover (a ironia cruel disso tudo é que Rimbaud escrevera muitos anos o seguinte verso: "E não precisar das pernas / Que maravilha!").
São os primeiros sintomas do carcinoma, um tipo maligno de câncer. Resolve procurar atendimento médico na França.
Manda fabricar uma padiola, contrata 16 homens e se põe a caminho de Aden para ali pegar um vapor até seu país.
Uma via-crúcis, dolorosa e angustiante. Os homens derrubam-no várias vezes, a dor só aumenta e a viagem leva mais de dez dias.
Aos 37 anos, Rimbaud estava liquidado. Seu corpo apodrecia, exalava uma pestilência tenebrosa, as dores o conduziam ao limiar da loucura.
Quando chegou a Marselha, em 23 de maio de 1891, os médicos logo amputaram sua perna. Mas o mal se alastrava.
O comerciante Arthur Rimbaud morreu então em 10 de novembro. Apenas a mãe e a irmã acompanharam o enterro.
Ninguém mais conhecia o poeta Arthur Rimbaud. E aqueles que o conheceram morreriam sem saber das razões que o levaram a abandonar a literatura.
A pista pode estar numa declaração do poeta a sua irmã Isabelle: "Teria ficado doido - e, além disso, era porcaria". Julgamento frio, objetivo e desapaixonado. Indigno de um escritor. Próprio de um comerciante.
"A partir de 15 de março de 1981, Rimbaud não se mantém mais de pé. De 7 a 18 de abril, dezesseis carregadores se revezam carregando a liteira através de trezentos quilômetros do deserto que separam os montes de Harar do porto de Zeilah”.
Mesmo com uma perna amputada, dores e febre, o poeta ainda queria voltar à África. Morreu em 10 de novembro de 1981.