O amor por principio
E a ordem por base.
O progresso por fim.
Era domingo, à porta do templo da Humanidade, na rua
Benjamim Constant.
Com o céu luminosamente azul e o sol tépido, havia muita
concorrência nessa rua, de ordinário deserta: - senhoras, cavalheiros de
sobrecasaca, militares, crianças.
Uns subiam logo as escadas do templo, cuja fachada recorda
um templo grego; outros mais íntimos seguiam para o fundo, pelo lado direito.
Teixeira Mendes fazia a sua prédica dominical.
Tínhamos ido a conversar com um velho positivista.
A princípio ele anunciara um profundo desprezo pela
frivolidade jornalística e a imprensa.
Mas depois, como eu risse sem rancor, permitiu-se levar-me
até a Igreja e foi tão bondoso que ali estávamos, tagarelando de coisas
superiores, enquanto ao templo continuava a afluir a onda de fardas, de
senhoras e de cavalheiros solenes.
- Não é possível negar a influência positivista na nossa
política, sobre os brasileiros cultos, ia eu dizendo, mas o público...
- Os jornais...
-... O grande público não compreende e irrita-se.
O meu amigo pode falar de Spencer, de Kant, de outros
filósofos.
Passa por erudito e é respeitado.
Basta, porém, falar de Comte para que o tomem por um
esquisitão e perguntem injuriosamente se essa é a religião de Clotilde de Vaux.
- É natural. É a gentinha que não conhece o culto,
adulterado por espíritos anárquicos.
Mas você vê que os honestos já começam a compreender a doce
religião que submeteu a inteligência ao sentimento.
- Tem-lhes custado.
- O positivismo tem quarenta anos de propaganda no Brasil.
Em 1864, o Dr. Barreto de Aragão publicava urna aritmética
dando a hierarquia científica de Comte e o Dr. Brandão escrevia a Escravidão no
Brasil.
Foram esses os primeiros livros positivistas, hoje quase
desconhecidos.
Depois é que o positivismo começou a ser falado entre matemáticos
e que os professores da Central e da Escola Militar deram em citar a Astronomia
e o primeiro volume da Filosofia.
- Era o tempo em que se considerava a Política um livro
ímpio...
- Ainda não se fizera sentir a necessidade de dispensar os
serviços provisórios de Deus.
O caráter religioso do positivismo não era conhecido.
Isso não impediu que Benjamim Constant, fazendo concurso na
Escola Militar, declarasse ser positivista ortodoxo e republicano, e que o
próprio Benjamim, com os Drs. Oliveira Guimarães e Abreu Lima, constituísse o
núcleo dos ortodoxos em 1872.
- A influência foi nula... - interrompi eu, olhando uma
senhora loura que entrava com o catecismo encadernado em veludo verde.
- Nada se perde. Oliveira Guimarães deixou um discípulo,
Oscar de Araújo; Benjamim levou às escolas a palavra religiosa do mestre,
regenerou o ensino da matemática e foi o primeiro brasileiro que teve no seu
quarto o retrato de Clotilde de Vaux.
Os trabalhos adotados na Escola Militar são quase todos de
discípulos seus.
No meio inteligente desses últimos surgiram Raimundo e
Miguel Lemos; era um momento de agitação. Pereira Barreto publicava o 1.º
volume da obra As três filosofias, e tanto Miguel como Teixeira Mendes eram
litréistas, considerando a parte religiosa de Comte como obra de louco.
Foi com eles que Oliveira Guimarães fez aliança para fundar
a biblioteca positivista e abrir cursos científicos.
- Era a filosofia da Academia...
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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