No mundo dos feitiços - Os novos feitiços de Sanin
- Mas, o Sanin?
- V. S. não quer aprender mesmo? Deixe o Sanin. Está
chovendo tanto!
- O Sanin é ou não um sábio?
- É malandro.
- Ainda melhor.
Quando saí, de dentro do botequim, Antônio esticou a mão.
Orum-my-lá ború ybó, ye, ybó, ybó, xixé!
Negro amável! Com aquele seu gesto sacerdotal dizia-me:
Satisfaça ao Deus que faz tudo e tudo entorta, amém!
Abri o guarda-chuva e respondi já de longe.
Ybó-xixé!
Sanin mora agora na casa do famoso Ojô, o diretor social da
feitiçaria.
A casa de Ojô fica na rua dos Andradas, quase no começo, com
um aspecto pobre e um cheiro desagradável.
Quando batemos, a chuva rufava em torno um barulho
ensurdecedor.
Não nos responderam.
Batemos de novo.
Alguém decerto nos espiava.
Afinal abriu-se a rótula e uma mulher apareceu.
- Baba Sanin?
- Não está.
- Venho mandado por um conhecido. Sem receio.
- A casa é de Emanuel...
- Ojô, sei bem. Foi o Miguel Pequeno que me mandou. Abre.
De novo a rótula fechou.
A mulher ia consultar, mas não demorou muito que voltasse
abrindo de esguelha e dizendo misteriosamente.
- Entre.
A sala tinha areia no assoalho, os móveis consertados
indicavam que Ojô vive bem.
Numa cadeira um fato branco engomado, e mais longe o chapéu
de palha atestava a presença do feiticeiro.
- Então Sanin?
- Vem já.
Pouco tempo depois apareceu Sanin, de blusa azul e gorro
vermelho, o tipo clássico do mina desaparecido, andando meio de lado, com o
olhar desconfiado.
O pobre-diabo vive assustado com a polícia, com os jornais,
com os agentes.
Para o seu cérebro restrito de africano, desde que chegou, o
Rio passa por transformações fantásticas.
É um malandro, orgulhoso do feitiço e com um medo danado da
cadeia.
Fora decerto quase à força que aparecera, e só muito
lentamente o pavor o deixou falar.
- Baba Sanin, o Miguel Pequeno mandou-me aqui para um
negócio muito grave.
Baba tem uns feitiços novos.
- Não tem...
- Eu sei que tem. Abri a carteira, uma carteira de efeito,
como usam os homens da praça, enorme, com fechos de prata.
Não tenha medo.
Se o Baba não me faz o trabalho, estou perdido.
É a minha última esperança.
- Que trabalho?
Revolvi as notas da carteira, devagar, para mostrá-las,
tirei um papelzinho e misteriosamente murmurei:
- Aqui tem o nome dela...
Na cara do feiticeiro deslizou um sorriso diabólico:
- Aha! Aha... Está bom.
- Sanin, eu tenho fé nos santos, mas os outros feiticeiros
não dão volta ao negócio.
- Você vai acabar. Olhe, pode contar...
Tudo neste mundo é esperança de dinheiro, de felicidade, de
paz, e tanto vive de esperança o feiticeiro que a dá como as pobres criaturas
que com ele a vão procurar.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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