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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ile Iya Omi Axé Iya Masse, Terreiro do Gantois

A Sociedade São Jorge do Gantois, Terreiro do Gantois ou Axé Yamassê como é conhecido fica no Alto do Gantois, 33, no bairro da Federação, Salvador, Bahia.
Essa é outra grande casa de candomblé Gêge-Nagô, que também nasceu da Casa Branca do Engenho Velho, foi fundado por Maria Júlia da Conceição Nazaré em 1849.
O nome Gantois veio de um francês que era o dono do terreno onde o templo religioso foi construído.
O que diferencia o Gantois de outros terreiros tradicionais da Bahia, como o Axé Opô Afonjá, Casa Branca, Terreiro do Bogum e outros, é que a sucessão se dá pela linhagem e não através de escolha pelo jogo de búzios.
De acordo com o antropólogo Julio Braga: "Historicamente, o Gantois é um candomblé familiar de tradição hereditária consanguínea, em que os regentes são sempre do sexo feminino", em entrevista fornecida ao Correio da Bahia.

Dissidência próspera

Maria Júlia da Conceição, mãe de Pulquéria, deixou o candomblé da Barroquinha e fundou o terreiro no Gantois.
Para conhecer essa história desde o princípio, vá até o Centro Histórico de Salvador, na antiga Rua da Assembleia, perto da Rua do Tesouro e procure um antigo sobrado, o de número 12. Foi aí que tudo começou. Nele viveram dona Maria Júlia da Conceição Nazaré, suas filhas Pulquéria e Damiana e sua neta Maria da Glória. Da união de Maria da Glória e Joaquim nasceu nesta mesma casa, no dia 10 de fevereiro de 1894, uma pequena garota, que logo ganhou o apelido carinhoso de Menininha. Como ela nunca mais deixou de ser doce, sincera e corajosa como só as crianças iluminadas sabem ser, continuou sendo chamada assim até o final da sua longa vida.
Em meados do século XIX, décadas antes de mãe Menininha nascer, funcionou ali bem'' perto da sua casa, na Rua da Lama, o primeiro terreiro de candomblé do Brasil. O "candomblé da Barroquinha", ao qual Maria Conceição pertencia, foi criado por tios e tias africanas como Iyá Nassô, Iyá Akalá, Iyá Adetá e Bamboxê Obitikô. Pelos estudos que realizou sobre o assunto, o antropólogo Renato da Silveira acredita que Iyá Akalá "deve ter sido a sacerdotisa que plantou o axé de Airá, por volta de 1830". É possível que Maria Júlia da Conceição fosse descendente dessa mesma senhora, pois sabe-se que seus pais, africanos de Abeokutá, chamavam-se Akala e Okarindê. O certo é que, ao ser preterida num período de sucessão, ela resolveu sair da Barroquinha e fundar a sua própria casa, o Ilê Iyá Omin Axé Iyamassê.
O local escolhido foi o mais ermo e escondido possível. Naquela época, a perseguição aos candomblés tornou-se tão forte que até o candomblé da Barroquinha precisou mudar de endereço, indo estabelecer-se onde hoje está o Terreiro da Casa Branca, na Avenida Vasco da Gama. Foi o seu bisavô Francisco, marido de Mária Júlia da Conceição, quem arrendou o terreno no bairro da Federação, onde foi fundado o terreiro do Gantois, em 1849. O nome se deve aos antigos proprietários da área, a família belga Gantois, muito envolvida com o tráfico de escravos e proprietária de terras. O barracão foi construído numa área elevada, na clareira cercada por um pequeno bosque. A localização era estratégica, pois o único acesso era por uma trilha muito íngreme e escondida.

Roça do Gantois

A família Nazareth se dividia então entre os seus afazeres na cidade, a morada no Centro Histórico e os compromissos religiosos na roça do Gantois. Acompanhada de outros dissidentes, Maria Júlia da Conceição plantou os axés do terreiro e iniciou os trabalhos. Com a sua morte, foi a vez de sua filha Pulquéria Maria da Conceição Nazareth assumir a casa, em 1900. Seguindo à risca o que tinha aprendido com a mãe, ela trouxe ainda mais prosperidade ao terreiro, que chegou a ser "tão ilustre que hoje existem as palavras canzuá e ganzuá, corruptela de Gantois, como sinônimos de candomblé ou melhor, do tipo ideal de candomblé encarnado pelo de Pulquéria", afirmou o antropólogo Édison Carneiro. Quem frequentava o Gantois nessa época, por exemplo, era o médico e antropólogo Nina Rodrigues, que até se tornou ogã do terreiro.

Dúvidas na sucessão

Pulquéria não tinha filhos que pudessem sucedê-la na direção da casa, por isso, quando faleceu, quem ficou à frente foi a sua sobrinha Maria da Glória, em 1918. "Minha mãe só ficou dois anos. Mas ela já vinha exercendo a função junto com Pulquéria. Porque há sempre uma ou duas pessoas a ajudar a ialorixá", conta mãe Menininha, que, com a morte prematura da mãe, deixou de frequentar o Gantois: "Eu era ainda mocinha, vivia com ela e ela morrendo, afastei-me". Além do sofrimento pela perda da mãe, talvez ela estivesse também buscando refletir se desejava e se sentia capaz de aumentar o seu compromisso com a religião, uma decisão séria e irreversível.
Provavelmente a jovem robusta e elegante que transitava pelas ruas do Centro Histórico, dona de linda voz e raro talento para a dança, tinha muitas dúvidas quanto ao futuro. Moça prendada e independente fazia doces e costurava: "Dizia-se que Menininha fora uma ótima costureira, sustentando-se com essa profissão na mocidade", ouviu a antropóloga norte-americana Ruth Landes, que frequentou o Gantois em 1938. Os amigos mais próximos, como o músico e ogã Edson Vergne de Assis, o Edinho, a ouviram comentar também que, na juventude, gostava muito de ir sambar na Segunda-feira Gorda da Ribeira e na Festa da Conceição da Praia. "Tudo o que não era vendido na Festa do Bonfim, se levava para a Festa da Ribeira, era tudo de graça", descreve o jornalista e publicitário Guilherme Simões, amigo de Menininha.
Antes de assumir definitivamente o Gantois, ela se uniu ao advogado Álvaro MacDowell de Oliveira, com quem teve duas filhas, a obstetra Cleusa e a contadora Carmem. "Senhor Álvaro era uma bela pessoa, de Oxalá, parecia muito com Nenem (Carmem)", define a amiga Alzira Escolástica. Como conhecia e respeitava o candomblé, ele provavelmente já imaginava que poderia ter que dividir a sua esposa com centenas de outros "filhos", mas é difícil que o jovem casal tivesse a dimensão do que estava por vir.

A decisão

A circunstância para a resolução do impasse não poderia ser mais surpreendente: uma missa. Apesar de não serem adeptos de sincretismos nos seus rituais, muitos membros do Gantois mantinham e mantêm até hoje muita fé em santos católicos, vindo daí o costume de se mandar celebrar missas. E foi aí mesmo que o seu destino começou a ser traçado. "Em fevereiro de 1922, numa missa por Pulquéria que era minha madrinha e tia, os orixás quiseram logo escolher quem ficaria tomando conta da casa. E me aconselharam. Eles mesmos me deram posse, não foram pessoas não", conta Menininha.
Mas, apesar de abençoada pelos orixás, ela ainda enfrentou resistências, afinal, o Gantois já era uma casa conhecida até fora da Bahia, através dos relatos publicados por Nina Rodrigues, o que aumentava a responsabilidade. Ruth Landes ouviu de Édison Carneiro que a sucessão foi lenta porque os mais antigos da casa não estavam convictos de que deviam entregar a ela a chefia e que, naturalmente, havia uma outra candidata ao posto, dona Laura, bem mais velha que Menininha. As duas dividiram durante alguns anos o controle do terreiro até que, em 1926, a jovem Escolástica Maria da Conceição Nazareth se tornou, definitivamente, a mãe Menininha do Gantois.
O sacerdócio chegou cedo à vida de mãe Menininha, então com apenas 32 anos. É que a preparação também tinha sido precoce: membro de uma família de sacerdotisas, ela foi iniciada com apenas oito meses de idade. Desde então, já convivia com os rituais e aos seis anos já dançava na roda. Há um registro fotográfico dela participando de um ritual para Oxóssi aos oito anos. O recipiente usado nesse dia para transportar a água - uma quartinha azul e dourada - está guardado até hoje, no Memorial Mãe Menininha do Gantois, que funciona no próprio terreiro, onde antes foi o seu quarto.
Mas é a percussionista Mônica Millet quem explica com maior clareza os dons especiais que a sua avó possuía e que a conduziram tão cedo a esse posto: "Vovó tinha uma disposição para atender às pessoas que era fora do comum, uma capacidade de compreensão rara e também tinha uma vidência que eu nunca experimentei. Uma harmonia com o orixá, com o jogo de búzios que era uma dádiva de Oxum. Tudo o que saísse nos búzios dela, teria uma resposta". De fato, parece que ao longo dos anos a intimidade entre mãe Menininha e Oxum, a deusa das águas doces, só fez crescer. Pois, dia após dia, Menininha foi se tornando cada vez mais sábia, profunda e tranquila, como se ela própria fosse uma versão baiana do enorme Rio Oxum, que corre na Nigéria, entre Ijexá e Ijebu. Como se bastasse a sua presença para acalmar, purificar e matar a sede de afeto dos seus milhares de filhos; como se ela própria fosse água.