Mãe-de-santo francesa ajuda a divulgar o candomblé
Desde que entrou em transe numa cerimônia de candomblé num subúrbio do Rio de Janeiro em 1959, a francesa Gisele Cossard nunca mais abandonou a religião.
No ano seguinte, Cossard, de olhos azuis e mulher de diplomata, iniciou-se no culto, trazido ao Brasil cinco séculos atrás por escravos africanos.
Batizada Omindarewa, ou água límpida, Cossard se tornou a primeira mãe-de-santo européia do Brasil.
Ela fundou seu próprio terreiro em Santa Cruz da Serra, no subúrbio do Rio, em 1973.
Embora não sejam muito numerosos os seguidores assumidos do candomblé, a religião tem uma grande influência no Brasil.
Ninguém estranhou quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidou mãe Nitinha, sacerdotisa do candomblé, para ir a Roma junto com a delegação oficial do Brasil para o enterro do papa João Paulo 2o.
Mesmo no país que tem a maior comunidade católica do mundo, com mais de 120 milhões de fiéis declarados, muita gente acredita no candomblé e consulta mães-de-santo como Omindarewa.
"O candomblé é uma religião aberta... O destino das pessoas é predeterminado pelos orixás", disse Cossard, hoje uma animada senhora de 81 anos, no intervalo de uma festa em homenagem a Ogum e Oxóssi -- os deuses da guerra e da caça.
Questionada sobre o que a atraíra na religião, ela disse: "O candomblé é cheio de vida e entusiasmo... Descobri que as pessoas podem ser felizes sem ter nada."
Os católicos, ao contrário, disse Cossard, são frios e carregam o peso do complexo do pecado. A mãe-de-santo fez doutorado na Sorbonne sobre o candomblé, e pretende publicar um livro neste ano sobre os rituais da religião.
No terreiro de Cossard, em quatro horas de dança, batucada e cantoria hipnotizantes, na língua africana ioruba, três mulheres que assistiam à cerimônia entraram em transe.
Os 16 participantes, a maioria brancos, vestiam roupas especiais, dirigidas pela pequena mãe Omindarewa, que usava um vestido e turbante azul-claro, ornada com pulseiras e colares.
Com uma energia interminável, ela encerrou a festa dançando no pátio enfeitado para saudar todos os participantes, e depois convidou a todos para uma feijoada.
Cossard nasceu no Marrocos, e sempre gostou das coisas vindas da África. Criada em Nancy, na França, ela foi para Camarões em 1949, recém-casada, e depois passou vários anos no Chade. A vida lá era dura, e ela achou difícil romper as barreiras coloniais e raciais.
Voltar para a França continental representaria um inferno, contou ela, então a solução veio em 1959, quando seu marido foi enviado ao Rio de Janeiro como adido cultural. "No Rio encontrei a chave para a África", disse ela.
O candomblé foi proibido no Brasil até 1946. A religião sobreviveu porque os escravos contornaram a proibição fingindo estar adorando santos católicos. São Jorge, por exemplo, representava o deus Ogum. O candomblé também tem um deus supremo, Olorum, e liga Oxalá a Jesus e Iemanjá à Virgem Maria.
Depois de ser legalizado, o candomblé cresceu rapidamente e se espalhou de Salvador para o Rio de Janeiro e outras cidades. Mas, por ter sido associado aos escravos por tanto tempo, ainda é meio escondido.
"A classe média reluta em admitir em público que acredita no candomblé porque ainda há um certo estigma que poderia prejudicar suas carreiras", disse Mariza Soares, que ensina a história do comércio de negros na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para ela, Omindarewa teve uma influência considerável no candomblé e ampliou seu alcance. A religião é atraente por ser pragmática, dizendo respeito aos problemas do dia-a-dia das pessoas.
Mas, na última década, o candomblé vem enfrentando uma competição agressiva das igrejas evangélicas. "É mais fácil virar evangélico, que também satisfaz as necessidades diárias das pessoas", disse Veronica Melander, pesquisadora sueca do Instituto Superior para Estudos Religiosos (Iser). Melander acrescentou, porém, que o candomblé continua crescendo, embora a um ritmo mais lento que os cultos evangélicos. "Atrai tanto brancos quanto negros e oferece um contato direto com os deuses", explicou.
Por Peter Blackburn
SANTA CRUZ DA SERRA
Reuters
25/04/2005 - 14h34
http://noticias.uol.com.br/ultnot
/reuters/2005/04/25/ult27u48582.jhtm