Drewal conta que um conhecido dela chegou esbaforido na casa
de um amigo dizendo: “Hoje fiz um policial trabalhar! Ele me parou no seu posto
de trabalho pedindo para examinar todos os meus documentos - carteira de
motorista, registro do automóvel, seguro, e assim por diante". Brincando
com a situação, meu conhecido avisou ao policial que ele teria muito trabalho
para fazer funcionar o carro novamente se lhe pedisse para desligar o motor.
Sem dar atenção, o policial insistiu para que eu parasse o carro e saísse. Uma
vez de volta ao carro meu conhecido fez de conta que o carro não ia pegar. O
policial sentiu-se na obrigação de ajudá-lo, coisa que o meu conhecido já havia
percebido ao tramar o ardil. Como o policial não estava de carro teve que fazer
esforço para ajudar a empurrar para que o motor "pegasse no tranco".
Ele empurrou o veículo por trinta minutos até que o meu conhecido decidisse
ligar o motor. Agradecendo o policial pela ajuda, ele pegou a estrada. Ao
contar esse incidente para Drewal, Kolawole Ositola comentou: "Você sabe
como são os iorubas!" O fato de "ser ioruba" trazia em si a
ideia implícita de ardil e de esperteza.
Esse exemplo não é nada atípico entre os ardis e truques dos
iorubas. Situações ardilosas como essas são comuns tanto nas artes verbais como
na vida cotidiana. Na versão popular das histórias sobre a divindade travessa
dos iorubas, Exu/Elegba transforma velhos amigos em inimigos, incendeia casas
de cidadãos reduzindo-as a ruinas, e, fingindo que vai proteger os bens das
pessoas contra o fogo, presenteia-os aos que passam por ele. Situações
semelhantes são constantes em relação ao seu equivalente brasileiro Exu. Victor
Turner visualiza Exu como um intruso em potencial que entra de surpresa nos
rituais de Umbanda como uma manifestação do perigo de confundir. O perigo aqui
é o de desestabilizar o ritual, atirando-o numa situação de ambiguidade. Ao
mesmo tempo cria oportunidades para modificações.
Mas a verdadeira noção de desestabilização (quebra de
sintonia) pressupõe uma "sintonia" para "quebrar", uma
metáfora espacial para o tempo no entender de Erving Goffman.
O inesperado "travesso" postado nas encruzilhadas,
tanto na Nigéria quanto no Brasil, é um símbolo da eficácia da peça (no sentido
de pregar peças e de peça teatral), e as narrativas que enfocam Exu são modelos
de e para suas praticas.
O que é significativo é que atuar numa situação significa
intervir - transformá-la. Quando o policial fez com que o motor do carro fosse
desligado, não tinha ideia do trabalho que isso iria lhe causar. Ele
interfeririu contra o motorista, mas o motorista revidou, virando a situação
contra ele e tirando prazer disso.
As encenações iorubas nem sempre envolvem situações
ardilosas. No contexto iorubano, brincar também compreende passar tempo com as
pessoas e para si (lazer), travando competições de habilidades verbais/ ou físicas,
enfrentando táticas para desorientar e ser desorientado, para surpreender e ser
surpreendido, para chocar o ser chocado, e para rir juntos - e obter prazer.
Pessoas que não sabem brincar serão pegas de surpresa porque
a brincadeira irá continuar sem a sua percepção. Os ocidentais, por exemplo,
não são conhecidos pela sua habilidade em brincar. Por esse motivo, há um
ditado entre os iorubas que diz: “você sempre pode fazer um homem branco de bobo."
Ou literalmente, você pode facilmente" circuncidar o homem branco"
sem que ele perceba (d´ako fun oyinbo). Atitudes como estas certamente não
conseguiram subverter o colonialismo, mas puderam sabotar ocasionalmente o
colonizador.
A brincadeira tem por natureza o sentido tático. Também
mostra como os indivíduos agem e manipulam situações. Travar brincadeiras
competitivas, é um teste, é testar o indivíduo. Pela perspicácia com que os iorubas
observam o comportamento humano, eles também têm a consciência da importância
de expor os seus oponentes aos perigos que temem ser expostos. A preocupação
dos iorubas com as aparências expressa-se em sua consciência aguçada de oju
aye, "os olhos do mundo". As implicações em testar o modo de agir dos
indivíduos transcende qualquer noção de uma situação limitada. Brincar no sentido
que os iorubas conhecem é uma exploração interativa interiorizada, (ori inu)
dos jogadores, uma estratégia criativa e envolvente que se desenvolve para
testar seu oponente. A experiência que se ganha nesse tipo de brincadeira
aplica-se para qualquer situação na vida.
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes de alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
Ivor L. Miller
African Diaspora Program,
De Paul University
http://afrocubaweb.com/ivormiller/IvorIntro.pdf
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.
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