Delafosse, ao citar Ibn Khaldun, relata que, até o inicio do
século oitavo, após a conquista da África do norte pelos Umayyads ou Omíadas,
os comerciantes árabes já haviam cruzado o Saara até o Sudão.
O Império de Gana
Desse momento em diante foram estabelecidas novas conexões,
que nunca haviam sido interrompidas, com o mundo exterior, particularmente
entre oriente árabe e o mundo mediterrâneo. Esses primeiros comerciantes
descobriram que o Sudão era governado por um imperador negro cuja capital era Gana.
O império no seu auge estendia-se de Djaka ao oeste do rio Níger até o oceano
Atlântico, e de norte a sul, desde o Saara até o limite do Mali. A região rica
em ouro do Senegal setentrional, centralizado em volta de Gadiaru, Garentel e
Iresin, pertencia ao império. Nos tempos de Bakri o vilarejo de Aluken
esboçava-se na fronteira leste do território governado pelo filho do imperador
Bessi, tio do soberano Tunka Min.
As populações brancas que habitavam esse império estavam sob
a rígida autoridade dos negros. Em 990, Aoudaghast (Audagoste), o centro
berbere dos Lemtunas, era governado por um farba negro (governador de
província) que coletava impostos, taxas alfandegárias, sobre bens e mercadorias
da população da cidade. Tudo isso em nome do imperador que governava
principalmente sobre berberes e árabes, grupos que nesse momento, se odiavam
uns aos outros.
Logo após a ocupação da África do norte, os primeiros
Umayyads enviaram um exercito na tentativa de conquistar o império de Gana.
Eles foram derrotados, mas os seus sobreviventes não foram executados:
receberam a permissão de estabelecer-se nas terras e viver nas mesmas que os
demais. Conhecidos como El Honneihîn, parte deles fundaram o vilarejo e Silla,
no rio Senegal, onde o governante já estava islamizado.
Em 1607, durante o tempo de Al-Bakri, uma minoria de El
Honneihîn já tinha sido praticamente assimilada na sociedade negra de cuja
religião também fizeram parte. Aqueles que haviam se estabelecido ao longo do
rio chamavam-se El Faman. Foi através dos casamentos inter-raciais que a
minoria branca misturou-se aos negros.
Os Honneihîn governaram Aoudaghast até o declínio de Gana
com a invasão dos Almorávidas em 1076. Enquanto os berberes permaneceram
vassalos do imperador negro de Gana por séculos, e a vingança dos Almorávidas
durou apenas dez anos, terminando com a morte de Abubeker-Ben-Omar, assassinado
por uma flecha de um guerreiro negro, dentro da fronteira da atual Mauritânia.
Os Almorávidas demonstraram uma crueldade extrema durante a sua ocupação:
confiscaram mercadorias, e assassinaram os habitantes. Após essa ocupação de
dez anos, Gana foi atacada mais uma vez pelos vassalos de Sosso, mas
conseguiram resistir até o cerco da cidade por Sundiata Keita em 1240.
O império de Gana, conforme Al-Bakri, foi defendido por
duzentos mil guerreiros, dos quais quarenta mil eram arqueiros. Seu poder e
reputação era conhecido em localidades distantes como Bagdá ao leste, e não era
apenas lendário: foi de fato, um fenômeno comprovado pela sucessão de 1250 anos
de sucessão de imperadores negros ocupando o trono de um pais tão vasto como a
Europa, sem inimigos fora e dentro do pais.
A capital já era nessa ocasião uma cidade cosmopolita e
internacional. Possuía seu bairro árabe onde o islamismo convivia com a
religião tradicional, antes da conversão da dinastia real e de seu povo à fé
muçulmana: no tempo de Bakri a cidade já ostentava uma dúzia e mesquitas
situadas no bairro árabe, com seus imams, muezzins, e leitores assalariados.
Possuía um grande numero de juristas e de estudiosos. Serviam-se diariamente
dez mil refeições, cozidas sobre milhares de feixes de lenha. O próprio
imperador participava desses festins que oferecia aos moradores fora do seu
palácio.
O império abriu-se primeiramente ao grande mundo através do
comercio; já gozava de reputação internacional que seria herdada e estendida
aos futuros impérios de Mali e Songhai. Mas a escravidão domestica era
predominante na sociedade africana: podiam-se vender escravos tanto a algum
outro cidadão quanto a um estrangeiro. Isso explica o motivo pelo qual os
mercadores árabes e berberes tornaram-se ricos ao estabelecer-se em Aoudaghast,
mesmo com a permissão do soberano negro de vender escravos a seus vassalos no
mercado aberto. Alguns indivíduos na cidade possuíam mais de uma centena de
escravos.
Com isso percebemos o modo pacífico com o qual o mundo dos
brancos podia possuir escravos negros. E não era através de conquistas como se
costuma afirmar. Esses impérios, defendidos por centenas de guerreiros, quando
necessário, dispondo de uma organização política e administrativa centralizada,
eram muito poderosos para que um viajante avulso que estivesse há muitas milhas
de distancia de sua terra tentasse qualquer tipo de violência contra eles. A
realidade dos fatos era muito mais simples, como foi dito. A escravidão seria
extinta no mundo dos brancos, principalmente na Europa, mas continuaria no
mundo dos negros, como veremos a seguir. Podemos enxergar os fatos complexos
que tem sido tentadores para serem usados de modo a obscurecer certas questões
da história. Toda a minoria branca que vivia na África deve ter possuído
escravos negros assim como os brancos eram todos súditos do imperador negro:
eles estavam todos os sujeitos ao mesmo poder político africano. Nenhum
historiador que se valha pode permitir-se de obscurecer esse contexto
político-social, de modo a fazer emergir apenas o fato da escravidão negra.
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