É mais fácil detectar a improvisação numa mescla cultural,
quando vemos o emprego de elementos industrializados inseridos em contextos em
que não lhes pertencem. Como exemplo: ao vermos mascarados tribais usando
fraques, máscaras de dia das bruxas feitas de látex, mascaras de gás e tênis.
Ou quando os mascarados seguram livros de bolso, e brinquedos de plástico
adornando suas cabeças. Da mesma maneira que Drewal viu em 1978, um mascarado
Egungun vindo de uma aldeia Imasai na cidade de Egbado falar, com a sua voz
rouca e gutural em inglês Pidgin (um tipo de dialeto), ao imitar um comediante
popular conhecido por Baba Sala da radio e televisão nigeriana.
Porém torna-se mais difícil de perceber quando a mistura
cultural é local, de mascaras entalhadas por culturas vizinhas, como a dos povos
Ibibio (sudeste da Nigéria), serem utilizadas no ritual iorubano em
apresentações para turistas, a menos que o observador tenha um bom conhecimento
dos estilos. Por serem representações de espíritos ancestrais, tais mascaras
referem-se ao passado, e os adereços contemporâneos realçam muito mais a
divergência com o convencional do que sua similaridade.
A autora acredita que não é acidental que a mesma palavra
usada para designar espetáculo (ere), é a mesma usada para falar de uma geração
de gente que nasceu no mundo ao mesmo tempo. Tanto na performance do ritual
quanto na noção de descendência, há simultaneamente uma continuidade e uma
transformação. A mascara de gás usada na II guerra mundial torna-se o rosto do
espírito, e bonecas de plástico tornam-se os andrajos espirituais, por uma síntese
que mescla essas praticas. Meras possibilidades ou potenciais tornam-se a nova
representação sintetizada. E quando as novas sínteses tornam-se populares,
podem disseminar-se amplamente, causando mudanças em todo o conjunto de
mascaras. Nesses casos, a nova síntese (exceção) tende a tornar-se regra.
Pela sua mobilidade e instabilidade, o ritual ioruba é mais
moderno do que o próprio modernismo. Durante os anos 1970, os lucros como o
óleo trouxeram prosperidade, aumentando o poder de consumo dos nigerianos,
possibilitando encenar rituais também nas áreas urbanas. Em Lagos, uma cidade
cosmopolita, os trajes de mascaras tornaram-se luxuosos e elaborados,
confeccionados com damascos, brocados e veludos importados. O que Drewal viu em
sua estadia na cidade ioruba de Egbado era feito com sessenta metros de veludo
- mais comprido que a casa aonde era guardado - refletindo as gordas
contribuições de dinheiro dos membros dessa casta. Esses trajes conhecidos por
baba parikoko simbolizavam por seu longo comprimento a "largueza" das
contribuições desses grupos.
As vestes baba parikoko representam os espíritos da linhagem
"original” dos Egungun na cidade. Cada qual possuindo um nome próprio que
deriva de um (oriki), poema de louvor. Quando acontece um desfile de baba
parikoko através da cidade, na sua maneira caracteristicamente morosa, são
acompanhados por outras "famílias" de Egunguns que os auxiliam a
caminhar, traduzem os seus gestos e entoam cantos de louvor. A procissão adquire
poder e distinção para os Egunguns, e por extensão à linhagem que eles
representam, através de sua absoluta visibilidade no ambiente. Os acompanhantes
da procissão tornam o espetáculo monumental, reforçado pelas mutações no traje
baba parikoko durante o desfile. O espetáculo é um exercício de poder que constrói
um sentido de personalidade aos participantes, tanto coletivamente quanto
individualmente.
Vários grupos isolados desfilam simultaneamente pela cidade
- como grupos dispersos - competindo entre si. No baba parikoko eles se juntam
e formam um grupo coeso.
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes de alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
Ivor L. Miller
African Diaspora Program,
De Paul University
http://afrocubaweb.com/ivormiller/IvorIntro.pdf
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.