Os Maronitas
Mas os maronitas, sob a proteção do velho santo austero, são
essencialmente bons, de uma bondade à flor da pele, que se desfaz em gentilezas
ao primeiro contacto com um bombom.
Os homens falam sempre, as mulheres olham com os seus
líquidos olhos insondáveis e por todas essas casas, há, inseparável da vida, o
mistério da religião, no amor que as mulheres, algumas inefavelmente belas,
proporcionam, nos negócios, nas idéias e nas refeições.
Quando um maronita enferma, a primeira coisa que faz é
chamar um padre para se confessar; quando um negócio vai mal, aconselha-se com
o sacerdote, só casa pelo seu rito, o único verdadeiro, e trabalhando para
viver, funda irmandades, colégios e pensa em edificar capelas.
De 1900 data a fundação da Irmandade Maronita, posterior a
outras duas que se desfizeram.
Foram sócios fundadores:
Dieb Aical, Arsanius Mandur Galep Toyam, Seba Preod Curi,
Miguel Carmo, Acle Miguel, João Facad, Antonio Nicobá, Antonio Kairur, Bichara
Bueri, Gabriel Ranie, Salbab, José Chalhub e Bichara Duer. Brevemente abrirá as
suas portas o colégio dos Jovens Sírios.
Apesar da permissão para dizer missa em todas as igrejas
católicas e de celebrarem aos domingos na Saúde e em Cascadura, já compraram o
terreno na rua do Senhor dos Passos para edificar a capela maronita, e a
propaganda se faz mesmo entre os sírios ortodoxos e maometanos, porque uma
ordem do Papa lhes indica que pela bondade façam voltar à crença única as
ovelhas tresmalhadas.
Atualmente há três padres maronitas em São Paulo e quatro no
Rio, os Revs. Pedro Abigaedi, Pedro Zaghi, Luiz Trah e Luiz Chediak.
Andam todos de barba cerrada, usam óculos e são suavemente
eruditos.
Trah, por exemplo, esteve oito anos na Bélgica e discursa
como um regato tranquilo; Chediak é professor, e cada palavra sua vem repassada
de doçura.
É sabido que a reconciliação dos maronitas com a igreja
romana data de 1182.
A reconciliação foi incompleta a princípio, mas hoje é quase
integral. Os padres, podendo casar, abandonam essa idéia; há o maior respeito
pelo Sumo Pontífice, e a política do Vaticano consegue aos poucos outras
reformas.
Como os padres me levassem a ver o terreno donde a igreja
maronita surgirá, interroguei-os a respeito do rito da sua seita.
- É quase idêntico ao romano, dizem-me.
A liturgia é redigida em siríaco.
É uma necessidade.
Há sírios que sabem de cor o sacrifício da missa.
Talvez o mesmo não aconteça numa igreja romana, que conserva
o latim.
- A começar pelos sacristãos.
- Há além disso as missas privadas, a regra é a de Santo
Antônio e seguimos o martirológio de S. Marun.
- Dizem que os maronitas foram a princípio monoteistas...
- Dizem tanta coisa no mundo!
Eles tinham parado diante de uns velhos muros.
- Será aqui a igreja?
- Querendo Deus!
E não sei porque, vendo-os tão simples diante das paredes
carcomidas, esses sacerdotes de um povo religiosamente bom, eu recordei a frase
profética dos papas.
O povo maronita é como uma flor entre espinhos, mas uma flor
cujo viço é eterno.
Os espinhos continuam persistentes mas a velha flor
espalha-se pelo mundo, recendendo a mais doce ternura e a mais profunda
crença...
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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