Os Maronitas
Conversei com alguns maronitas, sempre de uma amabilidade
penetrante.
Um deles, dando-me a satisfação da sua prosa torrencial,
falou como um estrategista da guerra russo-japonesa.
Esse homem não falava, redigia um artigo de jornal com a
retórica empolada que fez a delícia dos nossos pais e ainda hoje é a força do
jornalismo dogmático. Eu ouvia-o de lábios entreabertos.
- Se a justiça de Deus não desapareceu, se a vida humana
decorre dos desejos da divindade, é possível crer que os japoneses possam
vencer?
- Oh! não!
Eu respondera, como no teatro, mas estava interessado por
esses organismos simples, criados na chama de uma crença inabalável, desses
românticos do Oriente.
Todos são feitos de exagero, de entusiasmo, de amor e de
ilusão.
Os dois jornais sírios têm os títulos simbólicos e extremos:
- A Justiça, A Razão.
Os homens naturalmente perdem o limite do natural.
Numa outra casa em que sou recebido, um gordo cavalheiro
preocupa-se com o problema da colonização.
- A colonização síria, diz, é a melhor para o Brasil.
Os brasileiros ainda não a compreenderam.
O sírio não é só o comerciante, é também agricultor,
operário. Desprezam-nos?
Este país não vê que conosco, povo tranquilo e dócil, não
poderia haver complicações diplomáticas?
Os espanhóis, os portugueses, os italianos enriquecem,
partem, pedem indenizações. Nós, pobres de nós! não pedimos nada, queremos ser
apenas do Brasil.
Não respondo.
Talvez bem cedo os sírios sejam assimilados à família
heterogênea da nossa pátria.
Estas criaturas têm qualidades muito parecidas com as dos
brasileiros.
Vários negociantes que comigo discutem, porque os sírios
discutem sempre, são como jornais retóricos e brandos; diziam naturalmente:
- No Amazonas perdi há pouco 400 contos.
A colônia síria teve na baixa do café um prejuízo de 70 mil
contos.
As últimas remessas de fazendas elevam-se a 200 contos.
A princípio eu os acreditei um bando de Vanderbilts, falando
com desprendimento do ouro e das riquezas. Mas não. Um sacerdote amigo nos
desfaz o sonho.
Há fortunas restritas.
A totalidade porém tem relações com o alto comércio, compra
a crédito para vender a crédito aos mercadores ambulantes do interior e às
vezes a situação complica-se, quando lhes falta o pagamento dos últimos, tudo
por causa do exagero, a mania de aparentar riqueza.
Cada cérebro oriental tem um Potosi nas circunvoluções.
- Os sírios chegam, ganham dois mil réis por dia e já estão
contentes. Nunca serão verdadeiramente ricos, porque aparentam ter oito quando
apenas têm dois.
Este feitio os há de fazer compreendidos dos brasileiros.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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