No mundo dos feitiços
Para obter o segredo do feitiço, fui a essas casas, estive
nas salas sujas, vendo pelas paredes os elefantes, as flechas, os arcos
pintados, tropeçando em montes de ervas e lagartos secos, pegando nas terrinas
sagradas e nos obélês, cheios de suor.
- V. S., se deseja saber quais são os principais feitiços, é
preciso acostumar-se antes com os santos, dizia-me o africano.
Acostumei-me. São inumeráveis.
As velhas que lhes discutem o preço em conversa, até
confundem as histórias.
Em pouco tempo estava relacionado com Exu, o diabo, a que se
sacrifica no começo das funçanatas, Obaluaiê, o santo da varíola, Ogum, o deus
da guerra, Oxóocí, Eíulé, Oloro-quê, Obalufan, Orixá-agô, Exu-maré,
Orixá-ogrinha Aíra, Orominha, Ogodô, Oganju, Baru, Orixalá, Bainha, Dadá, Percuã,
Coricotó, Doú, Alabá, Ari e as divindades beiçudas, esposas dos santos -
Aquará, Oxum-gimoun, Aíá-có, a mãe da noite, Inhansam, Obiam, esposa de
Orixá-lá; Orainha, Ogango, Jená, mulher de Elôquê; Io-máo-já, a dona de
Orixáocô; Oxum de Xangô e até Obá, que, príncipe neste mundo, é no éter
hetairia do formidável santo Ogodô.
Os fetiches contaram-me a história de Orixá-alum, o maior
dos santos que aparece raras vezes só para mostrar que não é de brincadeiras, e
eu assisti às cerimônias do culto, em que quase sempre predomina a farsa pueril
e sinistra.
Diante dos meus olhos de civilizado, passaram negros
vestidos de Xangô, com calça de cor, saiote encarnado enfeitado de búzios e
lantejoulas, avental, babadouro e gorro; e esses negros dançavam com Oxum, várias
negras fantasiadas, de ventarolas de metal na mão esquerda e espadinha de pau
na direita. Concorri para o sacrifício de Obaluaiê, o santo da varíola, um
negro de bigode preto com a roupa de Polichinelo e uma touca branca orlada de
urtigas.
O santo agitava uma vassourinha, o seu xaxará, e nós todos
em derredor do babaloxá víamos morrer sem auxílio de faca, apenas por
estrangulamento, uma bicharada que faria inveja ao Jardim Zoológico.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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