No mundo dos feitiços
Os pretos, alufás ou orixás, degeneram o maometismo e o
catolicismo no pavor dos aligenum, espíritos maus, e do exu, o diabo, e a lista
dos que praticam para o público não acaba mais.
Conheci só num dia a Isabel, a Leonor, a Maria do Castro, o
Tintino, da rua Frei Caneca; o Miguel Pequeno, um negro que parece os anões de
D. Juan de Byron; o Antônio, mulato conhecedor do idioma africano; Obitaiô, da
rua Bom Jardim; o Juca Aboré, o Alamijo, o Abede, um certo Maurício, ogan de
outro feiticeiro - o Brilhante, pai-macumba dos santos cabindas; o Rodolfo, o
Virgílio, a Dudu do Sacramento, que mora também na rua do Bom Jardim; o Higino
e o Breves, dois famosos tipos de Niterói, cuja crônica é sinistra; o Oto Ali,
Ogan-Didi, jogador da rua da Conceição; Armando Ginja, Abubaca Caolho, Egidio
Aboré, Horácio, Oiabumin, filha e mãe-de-santo atual da casa de Abedé;
Ieusimin, Torquato Arequipá, Cipriano, Rosendo, a Justa de Obaluaei, Apotijá,
mina famoso pelas suas malandragens, que mora na rua do Hospício, 322 e finge
de feiticeiro falando mal do Brasil; a Assiata, outra exploradora, a Maria
Luiza, sedutora reconhecida, e até um empregado dos Telégrafos, o famoso pai
Deolindo...
Toda essa gente vive bem, à farta, joga no bicho como
Oloô-Teté, deixa dinheiro quando morre, às vezes fortunas superiores a cem
contos, e achincalha o nome de pessoas eminentes da nossa sociedade, entre
conselhos às meretrizes e goles de parati.
As pessoas eminentes não deixam, entretanto, de ir ouvi-los
às baiucas infectas, porque os feiticeiros que podem dar riqueza, palácios e
eternidade, que mudam a distância, com uma simples mistura de sangue e de
ervas, a existência humana, moram em casinholas sórdidas, de onde emana um
nauseabundo cheiro.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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