A Igreja Positivista
O amor por principio
E a ordem por base.
O progresso por fim.
- Que é positivismo? sussurro eu, sentando-me.
- É uma religião que respeita as religiões passadas e
substitui a revelação pela demonstração.
Nasceu da ruptura do catolicismo e da evolução científica do
século XVII para cá.
De Maistre dizia que o catolicismo ia passar por muitas
transformações para ligar a ciência a religião. Comte descobriu a lei dos três
estados, a chave da sociologia, e quando era o grande filósofo, Clotilde
apareceu e ensinou que a inteligência é apenas o ministro do coração.
Agir por afeição, Pensar para agir
Comte proclamou que o homem e a mulher se completam sob o
tríplice aspecto: sentimento, inteligência e atividade.
A religião divide-se em Culto, Dogma e Regime, o que vem a
ser bem amar, bem conhecer e bem servir a humanidade, o Grande Ser, o conjunto
das gerações passadas e futuras pela geração presente.
A existência do Grande Ser está ligada à terra, o Grande-Fetiche,
e ao espaço, o Grande Meio...
- Mas quantas senhoras!
- As mulheres devem amar o positivismo. Comte dignificou-as.
A mulher é a força moderadora, o sentimento puro do amor que
faz a sociabilidade, é a sacerdotiza espontânea da Humanidade que modifica pela
afeição o orgulho vão e o reino da força:
A mulher é a humildade, o fogo do culto no lar, é Beatriz, é
Clotilde, é Heloisa, mãe, esposa e filha, a Veneração, a Doçura e o Bem.
As mulheres deviam ser todas positivistas.
Enquanto o meu amigo assim falava, Raimundo Mendes, do alto
da cátedra, relampejava.
Na catadupa das palavras faltavam rr, havia repetições do
pensamento, de frases, mas na explicação cultual, de repente,
inconoclastamente, o azorrague partia contra os fatos, contra a anarquia atual:
e um esto de amor, de amor indizível, de amor pela Vida, subia, como um
incensório, à alma das mulheres.
Fiquei enlevado a ouvi-lo.
Esse mesmo homem, puro como um cristal, que tem o saber nas
mãos, eu já o vira uma vez, de manhã, carregando com dignidade um embrulho de
carvão...
As mulheres sorriam; em toda a translúcida claridade parecia
vibrar a alma do grande filósofo terno e bom, e do alto, Clotilde, a
Humanidade, abria como um lírio a graça suave do seu lábio.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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