No ritual ioruba, as pessoas participam com diferentes
graduações de conhecimento, esforço e compreensão. No texto, a autora afirma
que não deu a mesma atenção a todos os participantes. Interessou-se especificamente
na pratica adquirida pelos "peritos" (iniciados ha bastante tempo) -
naqueles que concebem, nos seus principais intérpretes, e nos diretores do
ritual, a quem outros participantes se juntam. A palavra ioruba para o
especialista no ritual é alawo ou simplesmente awo, significando, aquele que
possui um conhecimento e sabedoria (awo) esotérico especializado. O conceito da
palavra awo tem sido frequentemente trivializado como "segredo" na
literatura especializada da cultura religiosa ioruba. Apesar dos iorubas
utilizarem esse termo genericamente nesse sentido, ele implica em níveis mais
profundo de significado em relação ao ritual. Assim sendo, o oposto de awo é
ogberi, o ingênuo e não iniciado, ou ologberi, “aquele que possui uma
perspectiva (visão) ingênua". Essa palavra é muito utilizada pelos alawo
ou omo awo, para designar os aprendizes que estão se especializando no
conhecimento ritual," para referir-se àqueles que não receberam
treinamento e portanto ainda não adquiriram suficiente destreza e conhecimento.
A maior parte do ritual ioruba inclui de algum jeito a narrativa. Em muitas
delas excedem os especialistas.
A distinção que os iorubas dão aos à experiência dos
especialistas em relação aos iniciantes, significa na maioria das vezes que o
ritual é exclusivo. Não apenas isso, nem todos têm acesso a tudo. Também se
fazem restrições a alguns iniciados para assistirem algumas partes do ritual.
De fato essas restrições provavelmente levaram ao sentido errôneo da palavra
awo traduzida como segredo. A ideia de secreto não é aleatória, pois existe a
preocupação de que o conhecimento do ritual, em determinadas mãos, possa levar
ao perigo. E porque o temor? Pelo motivo de que a ação está ligada ao poder.
Isso é verdadeiro tanto do ponto de vista dos iorubas quanto pelo prisma
teórico das sociologias contemporâneas.
Adquirir técnicas para produzir a ação ritual é em grande
parte um exercício de memorização que solicita empenho no esforço e na
concentração. Ositola descreveu para a autora como seu avô lhe fazia ficar
horas a fio sentado atentamente para estudar os textos orais de adivinhação e o
processo da ação ritual. Para adquirir essas técnicas - em outras palavras,
para entender como se adquire algo, principalmente se pode ser obtido
facilmente - levando a maus usos ou abusos, caso não se compreendam os valores
éticos que operam por trás desse conhecimento, Isso pode tornar-se perigoso
principalmente nos rituais celebrados para operar mudanças, como nos ritos de
passagem, adivinhação, e cura. Do mesmo modo que a ação ritual está relacionada
ao poder, ela também pode favorecer aqueles capazes de usa-lo.
Os peritos aprendem seu oficio com permanente confronto com
o processo ritual, perseverança, e pela contemplação da sabedoria ritualística.
Se não fosse assim, qualquer um poderia torna-se um perito lendo um manual ou
bisbilhotando a ação.
Porém as aparências podem iludir os inexperientes. O que
distingue os peritos no ritual entre si e dos charlatães é o seu papel
específico no ritual, frequentemente herdado e para o qual foram designados e
educados. O principal aqui é a obtenção da experiência desse tipo de poder
transformador, razão pela qual Kolawole Ositola lembra frequentemente que
"não se pode aprender tudo em um só dia", em resposta ao persistente
questionamento de Drewal.
O fato é que, ninguém pode testemunhar a celebração ritual
por completo, nem mesmo os próprios peritos (velhos iniciados). Isso vale não
apenas por causa da simultaneidade com que são celebradas algumas partes do
ritual, mas também devido à ação simultânea do ritual como um todo. Muitas
celebrações rituais são tão privativas nos seus vários níveis que a única
realidade que os participantes têm acesso, incluindo os próprios participantes,
já está saturada por velhas formulas repetitivas. Caso fosse possível observar
cada novo aspecto do ritual em primeira mão, ou de algum outro tipo de
celebração, a autora afirma que teria observado indubitavelmente muito mais do
que qualquer outro participante.
Esse tipo de experiência fragmentada - e diferente para cada
um - significa ao mesmo tempo em que mesmo construindo-se uma descrição
narrativa do que acontece num ritual de certa forma falha desde que ninguém
poderá jamais observar o ritual em sua totalidade. Ao mesmo tempo, cada
participante tem alguma concepção particular do todo e de sua sequencia
performática. E ninguém parece importar-se com isso. Caso a situação aconteça
de fato daquela ou outra forma, não é questão relevante para a narrativa. O
relato pessoal acaba sendo usado, não havendo duas concepções exatamente iguais
para descrever o ritual.
Cada participante possui o seu próprio acumulo de porções de
cultura. E essas porções são moldadas por vários fatores - motivos e interesses
individuais, seus níveis de conhecimento, sua relação consigo mesmo, a
formalidade de seus papéis no ritual, e ao seu acesso ás várias partes. O que
molda a experiência completa para os participantes e no caso para a autora
também, é a combinação das diferentes interações e representações, sejam de
primeira mão ou baseadas em boatos. A experiência vivida de forma incompleta
acaba por engendrar a criatividade, pela maneira com que cada indivíduo constrói
o sentido do todo. Desta forma, o conhecimento de cada ritual celebrado vem
igualmente da experimentação da sua performance, ou daquilo que Ladislav Holy e
Milan Stuchlik chamam de representações da realidade social. Além do fato de
que as representações constituem realidade sociológica, a distinção não é menos
importante para a compreensão do ritual. Em outras palavras, a discussão sobre
o ritual é tão importante quanto aquilo que as pessoas de fato realizam.
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
African Diaspora Program,
De Paul University
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.