Os trajes Egungun e suas máscaras jogam sutilmente com os
atributos do Àáyá - macaco vermelho da savana, o Patas Guenon, de maneira tão
estilizada que eliminam qualquer traço realista na representação dessa imagem.
Isso se torna especialmente claro nos trajes de Alapalá, que estão entre os
primeiros trajes que os membros das sociedades Egungun adquirem ao tornarem-se
seus membros, tanto entre os Egbados quanto entre os Iorubas. Tal como o macaco
Patas os trajes Alapalá, os trajes são compridos, predominantemente vermelhos,
com listas pretas e brancas cobrindo o rosto e birotes sobre a cabeça. Um manto
comprido nas costas que se arrasta pelo chão como uma cauda e que pode ser enrolado
em volta do pescoço como se fosse a juba do macaco, em ambos os casos sugerindo
as duas características físicas do animal. Tal como o macaco Patas, que anda
ereto sobre suas pernas esguias, os performers aparecem em grupos e são
brincalhões, ágeis e acrobáticos.
Apresentando-se como seres mutantes (híbridos), não são
humanos, e usando a expressão de dupla negativa, são nem não humanos, nem são
macacos, mas nem não macacos. Há um jogo na brincadeira, isso é na relação
entre o intérprete e seu papel. A roupa carrega um comentário reflexivo no
papel do intérprete como "trajado". Portanto, quando o intérprete e
seu papel juntam-se o status de "nem eu, nem não eu" do performer subvertem-se
em nem não humano/ nem não macaco - o dobro de uma negativa dupla - construída
na identidade do traje. A maneira dos iorubas sugerirem o jogo na brincadeira é
simplesmente dizer sorrindo “é um espírito," isso é adquirir qualquer
forma, cor ou personalidade.
Outros tipos de trajes também se referem ao macaco Patas
Guenon de outras maneiras. Enquanto Alapala ressalta as características físicas
do animal e seu comportamento de maneiras altamente estilizadas, outro traje
que apareceu na festividade para Egungun de 1977 em Isale Eko, Lagos,
recontextualizou literalmente as caveiras dos macacos. O macaco e seu falecido
antepassado representado pelo traje foram apresentados juntos de uma maneira
bastante concreta, sugerindo a relação contida no mito entre os dois. Outro
traje ainda, apresentado em 1978 no bairro de Itesi em Abeokuta, substituiu a
caveira do macaco por uma máscara entalhada em madeira dentre algumas de Abigbo
- Calau (pássaros). A cabeça do calau é frequentemente usada para feitiçaria,
evocada pela sua crista (chifre de pele), está representada no peso que os
interpretes carregam sobre a cabeça. Foi usada com esse propósito em Itefa na peregrinação
para o bosque sagrado de Odu quando o filho mais velho de Ositola levou uma
caveira de calau embrulhada com seus carregos sobre a cabeça. Por analogia, o
poder específico do calau, com o peso perceptível de sua crista, foi
transferido para o iniciado em Itefa bem como ao mascarado que usava essa peça
pesada sobre a cabeça.
Nesses exemplos variados, há três tipos distintos de
representações do macaco, todos eles guardando alguma relação com o mito de
origem e sua performance. Eles possuem semelhanças e diferenças. Varias imagens
visuais referem-se entre si num jogo de referenciais, em que os significantes
tornam-se significados. Por outro lado, o chifre do calau, possuiu sua
distinção metafórica própria, que se refere ao oficio de usar a máscara e não o
mito do Egungun ou o macaco.
Um quarto tipo de traje que foi usado em Imasai no ano de
1977, fazendo alusão a trecho do mito que descreve o gorila estuprando a esposa
do rei, citado anteriormente (ver mito de origem). O traje do gorila (Inoki)
possui um pênis vermelho e testículos entalhados em madeira, (ver a foto
acima). Ele surgiu de forma inesperada por trás do público feminino, para o
centro do espetáculo, erguendo seu pênis como se fosse estupra-las. Enquanto
isso os tambores soavam um ideofônico sabala-sabala-sa-o, representando os
gritos do Gorila e os seus gestos sexuais. Esta atuação mimetizou um trecho da
narrativa, mas o desfecho deu-se com as mulheres que gritavam e corriam de seus
avanços lascivos para a diversão de outros espectadores. Esse ardil funcionou
porque , segundo a autora, jamais havia presenciado tamanha atenção numa
performance como essa. O que demonstra ser possível pegar o público de
surpresa, nessas apresentações. E isso faz parte da brincadeira. O interesse
dos espectadores não estava tanto preso na repetição do mito quanto no processo
de negociação, naquele momento da peça.
Outro traje nessa mesma ocasião - uma capa dançante chamada
Alagemo - obteve uma referencia dual. A imagem de um macaco pintada sobre a sua
superfície, (ver a foto acima) focalizou o mito da origem de Egungun. Todavia
aqui esse traje diferenciou-se completamente do tradicional Agemo. O ritual que
precedeu o traje Agemo está relacionado aos mitos associados com a guilda dos
poderosos chefes cujo emblema é o camaleão. Enquanto esse ritual dos chefes que
precede o traje Agemo é citado na tradição oral, o modelo do macaco foi apenas
uma criação para o ritual. Apenas o macaco desenhado refere-se especificamente
a Egungun.
Os peritos no ritual identificam precedentes de mitos - tal
como o acima citado de Egungun - moldando e remoldando seus temas, através das
práticas exibidas. A performance possui uma admirável dinâmica dupla. Ao mesmo
tempo em que os trajes referem-se aos espíritos ancestrais de um passado
presumido, eles renegociam simultaneamente com o presente.
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
A estrutura política dos iorubas foi historicamente baseada
em governos representativos abertos, nos quais faziam parte conflitos e
competições entre reis, descendentes. mas também entre chefes facções em
disputas com os sacros monarcas. As funções politicas dos rituais iorubas
excluem frequentemente certas categorias de pessoas, e incluem jogos de poder
entre seus participantes ou entre eles e outros grupos.
African Diaspora Program
De Paul University
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.