É através de uma série de voltas e rodopios que o enterro de
um patriarca transforma-se numa cerimonia de máscaras, um rito funeral de
entretenimento. A relação mítica entre o patriarca falecido e seus filhos é
efetivada nas mascaras e trajes Egungun. Essa relação explicitou-se visualmente
na casa de alguns devotos de Egungun na cidade de Ilaro, onde uma série de
trajes com mascaras de propriedade da família estava pintada num mural acima do
tumulo do antepassado.
O Mito
De acordo com uma versão do mito publicado por Joel Adedeji,
quando o rei - um corcunda - morreu, seus três filhos ficaram sem dinheiro para
dar-lhe um funeral apropriado. O primeiro filho vendo o corpo de seu pai fugiu.
O segundo vestiu o corpo apenas para deixa-lo de lado. O terceiro tentou vender
o corpo no mercado (para uso de feitiçaria) e finalmente abandonou-o no mato.
Anos mais tarde, quando o filho mais velho sucedeu seu pai,
o rei da cidade vizinha, presenteou-lhe com uma esposa chamada Iya Mose. Por
muitos anos, ela não deu a luz a nenhum filho, resolvendo então consultar
individualmente os adivinhos. Para Iya Mose foi predito que ela teria um filho,
e para o rei que não teria sucessor, a menos que ele completasse o funeral de
seu pai, que havia negligenciado na ocasião de sua morte. O rei ficou num
dilema, pois nessas alturas o corpo de seu pai já havia se decomposto.
Um dia perto de um riacho próximo, um gorila estuprou Iya
Mose engravidando-a. Envergonhada, ela fugiu ate as terras do Rei Oponda, onde se
escondeu até que a criança nascesse dando a luz a um hibrido - metade humano
metade macaco. Após o parto, Iya Mose saiu furtivamente, e jogou sua criança no
mato, antes de voltar para seu marido. O bebe, contudo não morreu, e mais tarde
acabou sendo recolhido. Finalmente Iya Mose acabou revelando essa história a
seu marido. Ele voltou a consultar seu adivinho, que predisse o futuro da
criança. Disseram-lhe que ele cresceria para tornar-se um Amu´ludun (literalmente,
“Aquele-Que-Traz-Doçura” para a comunidade). O adivinho persuadiu-lhe de
realizar os ritos funerários de seu pai no local aonde a criança havia sido
abandonada, aonde seu espírito iria materializar-se num traje, para ser usado
por um interprete de maneira a personificar o seu pai, o rei corcunda. Essa
criança hibrida foi chamada de Ijimere - nome dado pelos iorubas ao macaco
vermelho da savana, Patas Guenon.
A importância dessa narrativa é relatar as origens dos
vários títulos e dos papéis dentro do ritual Egungun. Ela também estabelece a
relação ritualística entre os filhos e seus falecidos pais através da arte ritual
da cerimonia de máscaras.
Na pratica atual são os filhos e filhas que providenciam os
panos para os trajes dentro dos quais o espírito do falecido se manifesta. E
finalmente o mito agrega os ritos fúnebres ao tema do entretenimento (isso é, o
interprete que veste os trajes tem a função de “animar a comunidade"). O
relacionamento entre os personagens apontados no mito possuem, por analogia,
implicações com os participantes presentes. No ritual Egungun, os performers
interpretam e reapresentam os elementos da narrativa de forma teatral, trazendo
uma realidade temporária.
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
A estrutura política dos iorubas foi historicamente baseada
em governos representativos abertos, nos quais faziam parte conflitos e
competições entre reis, descendentes. mas também entre chefes facções em
disputas com os sacros monarcas. As funções politicas dos rituais iorubas
excluem frequentemente certas categorias de pessoas, e incluem jogos de poder
entre seus participantes ou entre eles e outros grupos.
African Diaspora Program,
De Paul University
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Real possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.