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domingo, 6 de maio de 2012

Representação Reflexiva

Ritual Ioruba - interpretes, espetáculo, desempenho

Uma esteira dançante com desenho de gorila fez parte de um repertório flexível de "milagres" (idan) interpretados no contexto do Egungun Apidan,” Aparição de Milagres". O Apidan é um segmento autônomo de uma festividade Egungun e dos funerais iorubanos, mas também serve para assinalar outras celebrações - tais como aniversários, entronização de monarcas bem como a inauguração de uma fábrica. Olhando pelo prisma da cultura ioruba, que melhor homenagem seria para satisfazer uma família, do que a esperança de agradecer aos ancestrais pela abertura de uma fábrica, símbolo de progresso e prosperidade para a comunidade inteira? O cenário secular contribui para a significação do evento, mas para criá-lo é preciso bem mais que isso.
Apesar dos iorubas considerarem toda a celebração uma performance, compreendendo percussão e dança, ela também inclui invocações para as divindades e libações, geralmente realizadas na manhã que precede a apresentação dos trajes em público nos santuários Egungun. Deveras, os trajes Egungun são por si só santuários em movimento, compostos pelos mesmos elementos que constituem o santuário fixo, situado dentro das aglomerações residenciais dos devotos. Do ponto de vista iorubano, a performance Apidan realça a inter-relação essencial entre apresentação pública e o ritual. É um discurso reflexivo sobre o entretenimento deste ato de transformar-se a si mesmo. O traje principal (veja as figuras acima), chamado de "fazedor de milagres" (onidan, literalmente "dono dos milagres"), representa magia e maestria na arte da transformação (paradá). É, ao mesmo tempo, um organismo dançante e uma paródia de mulher com burka.
Tal como os demais trajes Egungun, os fazedores de milagres possuem identidades próprias baseadas na destreza dos seus intérpretes. No ano de 1975 na cidade de Ilaro, um traje fazedor de milagres, chamado Ajofunoyinbo ("Nos-dançamos-para-o-homem-branco") subiu sobre um vaso com o bojo voltado para baixo, invocando para obter ajuda das forças operantes do Universo. Em seguida, após uma comprida invocação e três cantigas, os percussionistas retornaram para o ritmo staccato de suas danças, e Ajofunoyinbo desceu do vaso rodopiando, ate que seu traje tomasse a forma de um volume cônico. Agachando-se levemente, ele então espalhou o seu manto sobre o chão formando um grande circulo em consequência do movimento espiralado de seu corpo. Na sequência, levantou-se, rodopiou e marchou alternadamente, erguendo suas pernas para o alto conforme dava passos ao redor da arena, para curvar-se diante dos mais velhos e cumprimentá-los. Dai, acompanhando o repique cadenciado e rápido dos tambores, o fazedor de milagres dobrou-se diante do público enquanto virava o traje do avesso (yi aso pada) transformando-se diante dos olhos da audiência. Finalmente, Ajofunoyinbo, desfez-se do traje externo, trocando novamente de aparência, desta vez na forma de um homem / macaco, um mutante.
Os mestres desse traje descobriram numerosas técnicas de virar os seus panos do avesso, como a de agachar-se encurvados para o chão de maneira a arremessarem o tecido que lhes envolve as costas projetando-o para frente e lança-lo em direção ao alto. Algumas vezes puxam um pano que está sob o outro para trocar-se. A maestria dos panos do traje Egungun Ajofunoyinbo, está na agilidade com que os tecidos são manipulados, para transformar-se diante das vistas do público sem revelar a forma humana que está por baixo. A audiência deve perceber apenas aquilo que o performer quer mostrar, ou seja, um ser indefinido que muda de formas e de cores em plena ação, diante dos olhos da plateia.
Caso o interprete dance bem, os percussionistas poderão mudar o toque para ritmos irregulares conhecidos por ego (De acordo com as informações do mestre percussionista Agbelu). Normalmente os percussionistas imitam os padrões de fala e ritmos do ioruba falado, capacitando seus tambores de "falar provérbios e aforismos". (tambores falantes). Entretanto, nos ritmos irregulares do ego, as frases são divididas e subdivididas, e as palavras são repetidas de tal maneira que o tambor principal costuma ser apelidado de “o diafragma". Enquanto o fazedor de milagres, cujo traje forma um grande circulo reflete na dança sua virtuosidade na maneira de exibir o pano, a sequência dessa dança concentra-se mais na complexidade dos passos e dos ritmos, no momento em que o traje transforma-se num macaco mutante.
Essas transformações sinalizam outro estágio dentro da performance. Por debaixo da forma orgânica e uterina do traje, o fazedor de milagres Ajofunoyinbo começa "dar a luz" a uma série de outros "milagres", que caricaturam o "mundo.” E isso não é interpretado literalmente, mas compreendido de alguma maneira pelos observadores e participantes.

Veja um vídeo

Yoruba Ritual

Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento. Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes, base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
A estrutura política dos iorubas foi historicamente baseada em governos representativos abertos, nos quais faziam parte conflitos e competições entre reis, descendentes. mas também entre chefes facções em disputas com os sacros monarcas. As funções politicas dos rituais iorubas excluem frequentemente certas categorias de pessoas, e incluem jogos de poder entre seus participantes ou entre eles e outros grupos.

African Diaspora Program
De Paul University

Margaret Thompson Drewal

Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.