No mundo dos feitiços - O Feitiço
Um babaloxá da costa da Guiné guardou-me dois dias às suas
ordens para acompanhá-lo aos lugares onde havia serviço, e eu o vi entrar
misteriosamente em casas de Botafogo e da Tijuca, onde, durante o inverno, há
recepções e conversationes às 5 da tarde como em Paris e nos palácios da
Itália.
Alguns pretos, bebendo comigo, informavam-me que tudo era
embromação para viver, e, noutro dia, tílburis paravam à porta, cavalheiros
saltavam, pelo corredor estreito desfilava um resumo da nossa sociedade, desde
os homens de posição às prostitutas derrancadas, com escala pelas criadas
particulares.
De uma vez mostraram-me o retrato de uma menina que eu julgo
honesta.
- Mas para que isso?
- Ela quer casar com este.
Era a fotografia de um advogado.
- E vocês?
- Como não quer dar mais dinheiro, o servicinho está parado.
A pequena já deu trezentos e cinquenta.
Tremi romanticamente por aquela ingenuidade que se perdia
nos poços do crime à procura do Amor...
Mas esse caso é comum.
Encontrei papelinhos escritos em cursivo inglês, puro Coração
de-Jesus, cartões-bilhetes, pedaços de seda para misteres que a moralidade não
pode desvendar.
Eles diziam os nomes com reticências, sorrindo, e eu acabei
humilhado, envergonhado, como se me tivessem insultado.
- A curiosidade tem limites, disse a Antônio que
desaparecera havia dias para levar aos subúrbios umas negras.
Se eu dissesse metade do que vi, com as provas que tenho!...
Continuar é descer o mesmo abismo vendo a mesma cidade
misteriosamente rojar-se diante do Feitiço... Basta!
- V. S. não passou dos primeiros quadros da revista.
É preciso ver as loucuras que o Feitiço faz, as beberagens
que matam, os homicídios nas camarinhas que nunca a polícia soube; é preciso
chegar à apoteose.
Venha...
E Antônio arrastou-me pela rua, do General Gomes Carneiro.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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