O desempenho dos intérpretes (performers) está implícito no
conceito de poder conhecido por axé (ase). Esse termo é definido por muitos
como "um vir a ser", efeito, imprecação", "poder,
autoridade, comando", axé não tem conotações morais; nem bom nem ruim. Vêm
a ser, de preferência, uma força geradora ou potencial presente em todas as
coisas - pedras, colinas, riachos, montanhas, plantas, animais, ancestrais,
divindades - e nas expressões de - rezas, cantigas, maldições, e também no
palavreado cotidiano. Ase é o poder da transformação. Os humanos possuem essa
força geratriz e aprendem a manipulá-la através da educação, iniciação para
melhorar as suas vidas e daqueles ao seu redor.
O conceito de axé dota os atuantes como agentes na
estruturação, no processo, na contextualização e na agilidade das palavras,
operando de pronto sobre a estrutura, processo e contexto e improvisando
consigo e com os demais. (como repentistas). Sua eficácia requisita (aba) a
habilidade em revelar o seu próprio axé, através da manipulação magistral,
negociação e persuasão.
As improvisações tomam diversas formas: a transformação dos
versos exotéricos em narrativas, interpretações espontâneas,
recontextualizações, percussionismo, dança, cânticos, paródias, artimashas,
reconstituições de convenções, competição de interesses, e intervenções
pessoais no evento ritualístico. Todas enraizadas no cuidado dos iorubas com o
asé - o poder de fazer existir, de fazer acontecer. É esse o verdadeiro
"trabalho" de um ritualista; de fato, está na essência daquilo que se
conhece por ato de representar. Dentre os iorubas, não existem peritos que não
possuam ase, o proto-conceito daquilo que viria a ser o axé no Candomblé
brasileiro, o ache na Santeria cubana e Lucumi, e no ase do "Movimento
Reversionista Ioruba" que existe na cidade de Nova York.
Ase é o poder dos celebradores gerar espetáculos rituais, ou
espetáculos que operam como batalhas, em estilos de competição singular em
virtuosidade e inventividade. O sistema religioso tradicional dos iorubas
engendra uma extrema diversidade através dos processos de adivinhação e
celebração, que enfatiza a diferença e heterogeneidade das origens dos seus
cidadãos e de suas práticas religiosas. Se a performance constrói as configurações
culturais e de identidade de uma civilização através de suas representações
simbólicas, certamente as celebrações ritualísticas dos iorubas como um grupo
constroem identidades e configurações múltiplas que estão sempre dialogando
entre si.
A maleabilidade da prática ritual dos iorubas capacitou-os a
tolerar tanto a cristandade quanto a fé islâmica. E também teve a capacidade de
sobreviver dentro das opressoras sociedades escravagistas que desembarcaram no
Novo Mundo a principio clandestinamente e depois abertamente. De fato a
religião ioruba está ganhando forças e crescendo entre os brancos e negros da
atual classe média americana, naquilo que veio a se chamar de sociedade
liminoide (ou do limite).
Yoruba Ritual
Este livro de Margaret Drewal é um mergulho para dentro â da
liberdade do ritual ioruba, o poder de improvisação de seus intérpretes, e o
desejo de seus participantes em alternar as possibilidades de entretenimento.
Suas implicações são diretas na diáspora americana, devido à presença desses
artifícios, que constituíram a chave para a sua adaptação em novos ambientes,
base fundamental para aquilo que Stuart Hall chamou de â estética da diáspora.
A estrutura política dos iorubas foi historicamente baseada
em governos representativos abertos, nos quais faziam parte conflitos e
competições entre reis, descendentes. mas também entre chefes facções em
disputas com os sacros monarcas. As funções politicas dos rituais iorubas
excluem frequentemente certas categorias de pessoas, e incluem jogos de poder
entre seus participantes ou entre eles e outros grupos.
Ivor L. Miller
African Diaspora Program
De Paul University
http://afrocubaweb.com/ivormiller/IvorIntro.pdf
Margaret Thompson Drewal
Margaret Thompson Drewal é uma teórica das artes
performáticas, historiadora de dança, e etnógrafa. Ela estudou os rituais
iorubas da África ocidental e afro-brasileiros. Além de danças populares
norte-americanas e entretenimentos da virada do século XIX, incluindo
espetáculos apresentados nas primeiras Exposições Internacionais. Drewal possui
especial interesse na poética e política do discurso performático. Ela também
teve experiência profissional como bailarina e coreógrafa.