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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ney Lopes


Eu sou o Rascunho
pra quem não me conhecia
pra quem me conhece, bom dia peço
peço licença pra chegar...

Cantor, compositor, pesquisador e pensador da identidade negra e carioca, Nei Lopes, de 63 anos, é um daqueles casos célebres do menino pobre que encontrou seu lugar no mundo. No caso dele, um garoto nascido e crescido no bairro do Irajá, subúrbio do Rio - difundido como espaço de concentração de negros e mulatos relegados à periferia -, que se tornou um dos intelectuais brasileiros mais atuantes no que se refere a assuntos ligados à cultura, tradição e história do negro.

Agência Estado

Ele nasceu Nei Braz Lopes, em 9 de maio de 1942. Sua mãe o teve em casa, ajudada por uma parteira portuguesa. Caçula de uma família de 13 irmãos, vinha ao mundo o mulatinho franzino e de saúde frágil que, mais tarde, com a tomada de consciência de sua negritude, se tornaria negro e um dos principais nomes da cultura popular brasileira. "Eu não nasci ‘negro’, me fiz negro. Na minha época, essa circunstância étnica era ainda mais adversa do que hoje", conta Nei. "A gente, quando tinha a pele um pouco mais clara, mesmo sendo beiçudo e de venta larga, saía pela tangente: ‘Sou mulatinho, sou moreno. ’"
A convivência naquele ambiente, reforçado pela presença de certos parentes e amigos, acabou delineando seu caminho. O contato com a música, por exemplo, veio na infância, quando ouvia sua mãe cantar músicas de Sinhô enquanto passava roupa. Sua família era feita de músicos. Teve dois tios e dois irmãos reconhecidamente grandes músicos. Havia ainda o sobrinho Dairzinho, cavaquista. "A família era e ainda é extremamente musical. Só que o único que realmente se profissionalizou fui eu."
Essa profissionalização veio mais tarde. Antes disso, Nei se alfabetizou na casa da tia e, aos 11 anos, já no ginásio, publicou os primeiros versos no jornal dos estudantes. Mas o período de socialização ocorreu mesmo em 58, fase importante na vida do compositor, quando seu pai e vizinhos fundaram um clube, o Grêmio Pau-Ferro. Lá, Nei se desdobrava em diretor-secretário, ator de teatrinho, cantor, bailarino e escritor de peças de teatro, além de conquistar as primeiras namoradas.
A incursão pelo samba, que se configurou no universo ‘neidiano’ como uma de suas formas de expressão mais preeminentes, veio com o amigo Maurício Theodoro, que conheceu na escola técnica e cuja família tinha relação estreita com escolas de samba. Segundo Elias, esta ocasião foi importante, porque foi a iniciação de Nei no mundo do samba, o momento de uma nova tomada de consciência em relação à sua condição social e sua negritude.
Por aquele tempo, o compositor se aproximou da religiosidade e da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro. "O Salgueiro da época em que Nei começou a fazer parte, na década de 60, foi uma escola que começava a apresentar, em seus desfiles, temáticas raciais envolvendo a questão da negritude", observa Cosme Elias.
Formado em Direito, na década de 70 resolveu largar a profissão. A decisão abriu caminho para a carreira artística. "Advoguei, mas logo enjoei. A profissão não me permitia criar nada", diz o sambista. Passou então a criar textos para rádio e TV, jingles publicitários e a compor os primeiros sambas em parceria com Almir Santana, apesar de nenhum deles ter sido gravado. "Estava dentro do ambiente de música, dos estúdios. Então comecei tudo, compondo, gravando...", recorda ele.
Sua primeira canção gravada foi Figa de Guiné, feita com Reginaldo Bessa, que conheceu nos tempos que fazia jingles, e registrada por Alcione, em 1972. É a partir desse ano que Nei Lopes contabiliza sua carreira profissional. Mas os sucessos só vieram depois, em fins dos anos 1970 - década em que o samba ganhou novo fôlego no cenário musical. Teve sua composição Coisa da Antiga gravada por Clara Nunes, em 77, e Senhora Liberdade e Gostoso Veneno, em 79, registradas por Zezé Mota e Alcione, respectivamente. As duas últimas foram assinadas com Wilson Moreira, seu parceiro mais célebre.
Foi em 72 também que o sambista estreou como intérprete num disco, Tem Gente Bamba na Roda de Samba, ao lado de outros artistas, em um tipo de gravação que na época era conhecido como trampolim para as carreiras artísticas dos envolvidos. Atualmente, sua discografia agrupa quase dez álbuns, entre LPs e CDs, mantendo-se fiel ao universo do samba. É nesse universo, aliás, que Elias encontra um viés para analisar a obra do artista em seu livro.
De acordo com o autor, é dentro da idéia de construção ‘identitária’ relacionada a um processo histórico nacional, em que o samba se apresenta como veículo de exteriorização das camadas subalternas, que ele deseja demonstrar como o samba se porta enquanto elemento de afirmação dessa identidade. "A construção da identidade, seja carioca ou negra, é um tema que não pretendo esgotar neste livro, apenas delinear, a partir da obra de Nei Lopes, os aspectos ‘identitários’ em sua produção musical e literária, observando como constrói o negro, o carioca e suas simbologias."
Pesquisador sistemático das culturas africanas, Nei Lopes é autor de uma vasta obra publicada em livros e periódicos. "O samba que a gente conhece hoje é uma mistura de várias, culturas do interior da Bahia, Minas Gerais, São Paulo, do Vale do Paraíba e do Nordeste também. É o sertão chegando à cidade e trazendo sua grande contribuição" - diz.
Partindo daí, Nei Lopes tem pesquisado as raízes do estilo, desde a diáspora africana. Militante do Movimento Negro Brasileiro, relançou esse ano o Dicionário Banto do Brasil, depois de receber mais de 200 citações no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Desde 1995, Nei trabalha na elaboração da “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana”, sua obra mais ambiciosa, que contempla centenas de verbetes sobre o universo do samba e do choro.
Com muito trabalho e seriedade, o cantor, compositor e escritor Nei Lopes, 63, firma-se como um dos principais pesquisadores na revisão do legado negro no país. E, o melhor, como destaca, é que fala "de dentro", já que é "negro, sambista e praticante da religião dos orixás". Dando sequência a uma série de livros publicados a partir de 1981, Nei Lopes lança Kitábu - O livro do saber e do espírito negro-africanos (SENAC Rio).
Kitábu significa livro no idioma suaíle (grupo bantu), segundo o autor, a mais internacional das línguas africanas. Foi escolhida para traduzir o projeto ambicioso de Nei Lopes de tentar sistematizar num único corpus informações consistentes sobre a espiritualidade africana.
A idéia, explica, é concentrar os princípios básicos filosóficos de religiões como o candomblé, umbanda e até a reinterpretação africana do islã, sobre os mais variados aspectos. Vai das mitologias originárias à descrição dos cultos, rituais e divindades.
Com formato inspirado na Bíblia e no Alcorão, a publicação é dividida em O antigo legado - História e tradições negro-africanas e O novo legado - História e tradições da diáspora afro-americana.
"Quero mostrar que as religiões africanas, ao contrário do que se pensa, não são folclore, nem bruxaria, nem infantilidade, já que se apóiam numa filosofia complexa e atuante", afirmou o autor, em conversa por e-mail.
Cheio de planos e projetos, Nei Lopes anuncia para este ano um livro de contos e dois dicionários, na mesma linha de pesquisas que vem desenvolvendo. Quanto à música, o sambista disse que é só aparecer a oportunidade que abre o baú e tira de lá as tantas composições inéditas que possui. Por estas e outras ele recebeu, ao lado de outras personalidades, em novembro passado, a Ordem do Mérito Cultural 2005, a mais importante condecoração nesta seara dada pelo governo federal.


"meu lote" o blog de Ney lopes. 
http://www.neilopes.blogger.com.br/archive.html