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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Cuti, Luiz Silva – Negroesia

Com a porta aberta

o que é que vai ser
quando o samba abrir uma fenda
bem no meio da sinfonia?
com’é que vai ficar, compadre
quando a macumba
entrar na sacristia?
e quando a pureza da cultura abrir as pernas
e mostrar pra todo mundo
que nunca teve cabaço
a dança de terreiro
rasgar terno e gravata
a ginga der meia-lua-de-compasso na compostura
a gente puder falar
sem algema ou atadura
a verdade
partir a cara da hipocrisia
o pão for repartido na marra?
não adianta fechar a cara
nem se fazer de besta
qu’Exu vai rir na abertura da festa
e Cristo vai gargalhar pela primeira vez na história
e viva o pagode
da memória liberta
e do futuro concebido
com a porta aberta!

Porto-me estandarte

minha bandeira minha pele
não me cabe hastear-me em dias de parada
um século de hipocrisia após
minha bandeira minha pele
não vou enrolar-me, contudo
e num canto
acobertar-me de versos
minha bandeira minha pele
fincado estou na terra que me pertenço
fatal seria desertar-me
alvuras não nos servem como abrigo
sem perigo
lágrimas miçangas
enfeitam o país
a iludir o caminho
em procissões e carnavais
minha bandeira minha pele
o resto
é gingar com os temporais

Oferenda

leva
a lava leve de meu vulcão
pra casa
e coloca na boca do teu
se dentro do peito
afogado estiver de mágoa
o fogo de outrora
do centro da terra
virá sem demora
porque não há
por completo
vulcão extinto no peito

Cuti (pseudônimo de Luiz Silva) formado em Letras pela USP, Mestre em Teoria Literária e Doutor em Literatura Brasileira, pela Unicamp, publicou:
Poemas da carapinha. (1978);
Batuque de tocaia. (poemas, 1982);
Suspensão. (teatro,1983);
Flash crioulo sobre o sangue e o sonho. (poemas, 1987); Quizila. (contos, 1987);
A pelada peluda no Largo da Bola. São Paulo. (novela juvenil, 1988);
Dois nós na noite e outras peças de teatro negro-brasileiro. (1991);
Negros em contos. (1996);
Sanga. (poemas, 2002).
E em coautoria: Terramara. (com Arnaldo Xavier e Miriam Alves) - teatro, 1988;
...E disse o velho militante José Correia Leite. (memórias, 1992);
Quilombo de palavras. (CD – poemas, 1997).