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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Mario de Andrade - Ode ao burguês

Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!... 

Mário Raul de Morais Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945) foi um poeta, romancista, crítico de arte, folclorista, musicólogo e ensaísta brasileiro.
Nasceu, estudou e iniciou a sua carreira musical e literária na cidade de São Paulo. Em 1917 foi publicado o seu primeiro livro de versos: Há uma gota de sangue em cada poema. A sua segunda obra, Paulicéia desvairada, colocou-o entre os pioneiros do movimento modernista no Brasil, culminando, em 1922, como uma das figuras mais proeminentes da histórica Semana de Arte Moderna. Alguns dos seus livros de poesia mais conhecidos são: Losango cáqui, Clã do jabuti, Remate de males, Poesias e Lira paulistana.
Publicou, em 1928, Macunaíma o herói sem nenhum caráter e Ensaio sobre a Música Brasileira.
Em 1938 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de diretor do Instituto de Artes na antiga Universidade do Distrito Federal (hoje Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Regressando a São Paulo em 1942, regeu durante muitos anos a cadeira de História da Música no Conservatório Dramático e Musical.
Possuidor de uma cultura ampla e profunda erudição foi o fundador e primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde fundou a Sociedade de Etnologia e Folclore, o Coral Paulistano e a Discoteca Pública Municipal.
Foi amigo e compartilhou os ideais estéticos modernistas de Oswald de Andrade.