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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Pesos para ouro - arte Axante

Os pesos Axante ou Abrammo, são objetos muito peculiares encontrados na Costa do ouro, Atual Gana.
Usados para medir quantidades específicas do ouro maciço ou em pó, extraído das minas em grande quantidade.
O aparato completo para pesar ouro era conhecido como futoo e consistia de uma caixa com balança, peso, colheres, era embrulhado num pano.
Esse conjunto era guardado numa bolsa de couro ou numa caixa de madeira, e se o comerciante fosse rico, numa caixa de bronze fundido conhecida por kuduo.
Essas caixas, cheias de ouro em pó, eram enterradas com seus proprietários, mas podiam ser retiradas do tumulo, em tempos de necessidades.
A partir do séc.XV, o comércio do ouro foi incrementado com a chegada dos europeus na costa do Golfo da Guiné, por volta de 1670.
É nesse contexto de desenvolvimento comercial, urbanização e crescimento do poder político com Estados centralizados, que se deu a exploração massiva das reservas de ouro da região.
O meio de troca tradicional era o pó de ouro.
A adoção universal do pó de ouro como meio de intercambio nos Estados Akan criou a necessidade de uma grande quantidade de pesos correspondentes a uma escala de medidas, esta decretada pelo Estado, além de outros instrumentos de medida.
Os pesos foram usados durante aproximadamente cinco séculos (1400-1900) pelos povos Akan e outros relacionados a eles.
Mas o seu uso e manufatura por parte dos Axante é o mais documentado e os levou a ser conhecidos nos catálogos de coleções e museus como "pesos de ouro axante".
Podemos definir uma cronologia do desenvolvimento dos pesos de ouro.
No inicio da dinamização do comercio (1400) usavam-se grãos, sementes, pedras, conchas, ossos, contas de vidro, enfim, qualquer coisa que tivesse massa igual a uma dada unidade da escala podia ser usada como peso.
Mais tarde se desenvolveram pesos fundidos de bronze ou outra liga de bronze.
Estes, assim como balanças e outros acessórios, eram manufaturados e vendidos por ourives.
Os motivos eram extraídos do mundo natural, de artefatos produzidos pelo homem, bem como motivos geométricos.
Acredita-se que os pesos de formato geométrico, embora coexistissem com os figurativos, tenham precedido estes.
Finalmente, num período mais recente (1700-1900), apareceram figuras menos abstratas e mais complexas, de homens e animais.
Verdadeiras esculturas em miniatura.
O que queremos ressaltar aqui é que na tecnologia axante, desde a manufatura dos pesos até a técnica de pesagem do pó de ouro, as pequenas figuras fundidas em metal extrapolam a dimensão funcional como contrapesos.
Embora seja possível traçar alguns estilos formais, elas estão longe de serem padronizadas (tal como conhecemos os contrapesos ocidentais).
À alta diversidade formal dos pesos de ouro corresponde um sentido iconográfico socialmente construído e que expressa a cosmovisão axante (e akan, de modo geral).
Iconografia e provérbios: a transmissão de ideias
A iconografia dos pesos deriva da percepção do homem de seu meio: o comportamento e relação entre os seres vivos; o padrão de crescimento dos vegetais; e as funções de vários objetos. Alguns animais são conhecidos por sua força, coragem ou paciência. Uma planta pode ser admirada por sua beleza, cheiro ou longevidade. E um artefato pode ser identificado com guerra, trabalho ou família. Algumas imagens estão associadas a máximas tradicionais ou provérbios (ex. o sapo é associado ao provérbio "a extensão total do sapo só é visível após sua morte", que pode ser interpretado como: o valor de um homem não pode ser devidamente reconhecido durante sua vida; um peso fundido diretamente de um vegetal remete ao provérbio: "o quiabo não mostra suas sementes através da pele", significando que há mais na mente humana do que mostra sua face). Outras imagens são simples metáforas (ex. a cobra enrolada traz a mensagem de alerta, perigo).
O significado dos pesos mais complexos, desenvolvidos principalmente no contexto de consolidação do reino Axante, estavam muitas vezes associados ao poder do rei na hierárquica sociedade axante, hierarquia essa que se expressa não só na organização política, mas também na religião e na cosmologia de um modo geral. Esses pesos expressam um esforço, por parte da realeza, de criação de uma identidade. E de legitimação de poder (Blier, 1997).
Por exemplo, o peixe bagre era frequentemente usado como símbolo real. Um peso bastante documentado representa um crocodilo e um bagre. Este peso está associado ao seguinte provérbio: "se o bagre engole algo precioso, ele o faz para seu mestre", ou seja, qualquer coisa que o bagre pega/come, volta para o crocodilo, que é o seu predador natural ou, entendido de outra forma, o seu "superior" natural (McLeod, 1971).
Tão importante quanto à função didática de transmissão da moral, filosofia e códigos de comportamento, os provérbios também tinham na sociedade akan uma função estética ou poética (Boadi, 1972). O uso de provérbios no discurso era sinal de sofisticação no uso da linguagem. Hampatê-Bá (1980) nos lembra de que nas sociedades orais (como é a grande maioria das sociedades tradicionais africanas), é de vital importância o elo que une o homem à palavra. A própria coesão da sociedade depende do valor e respeito à palavra.
O que valorizava um provérbio era a qualidade das imagens que evocava: quanto mais incomum e concreta fosse a imagem, mais alto o valor do provérbio (Boadi, 1972). Na maioria dos provérbios, o significado transmitido é muito geral e pode ser aplicado a um grande leque de situações. Assim, por exemplo, o já citado provérbio sobre a relação entre o bagre e o crocodilo pode ser usado para se referir à interdependência dos chefes e seus súditos; bem como às crianças e os mais velhos; mas o vocabulário não é geral e abstrato, mas concreto e socialmente partilhado (McLeod, 1971).
Assim é fácil entender o fato de que os pesos, como representações concretas, veiculavam noções, pensamentos abstratos. A palavra torna-se silenciosa, mas está presente, materializada em objetos, formas, representações gráficas. E a experiência humana, através do provérbio, é sintetizada e transmitida.