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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amazonas do Benin

Após consultar o parecer da multidão, o mingan (algoz e mais alto dignatário da corte), retirou-se; uma amazona, com cerca de 20 anos, dirigiu-se decididamente aos dois homens que seguravam o condenado.
Estavam querendo pôr à prova a jovem que ainda não havia matado ninguém!
Armada com um sabre do país bem afiado, ela feriu uma primeira vez, depois uma segunda e uma terceira, cortando, depois, tranqüilamente, os últimos pedaços de carne que ligavam a cabeça ao pescoço.
O algoz ordenou que recolhessem a cabeça que um homem levou ao palácio do rei. Após a execução, a amazona enxugou com a mão o sangue que ficou em seu sabre e o tomou".
O relato, que mais parece saído de páginas de um moderno livro de terror, é a descrição de uma cena verdadeira, presenciada por europeus, no século passado, no reino de Daomé, África ocidental. Naquela época, existia um grupo do exército real com características muito particulares: as minos, mulheres do rei, ou amazonas, nome dado pelos viajantes estrangeiros, certamente, lembrando as personagens da mitologia grega. Se o fato de também se dedicarem à caça as aproximava do mito, a violência e a ferocidade faziam bem o contrário.


Um regimento de cruéis mulheres

A criação desse perigoso exército é descrita no trabalho do estudioso, Pierre Dufour, a respeito da ação francesa para acabar com o rei Behanzin, em 1892, em Daomé, atual Benim, nome adquirido em 1975, quinze anos após se tornar uma república. Acontecia que o rei de Dan-Homé invadia, constantemente, o pequeno reino de Porto-Novo, sob protetorado francês. Durante vários anos, repetiram-se os acordos assinados e violados e o rei de Dan-Homé afirmava-se cada vez mais como tirano. Foi, então, na condição de tirano, preocupado com a manutenção do poder dentro de sua própria corte, que o rei Guezo, no século passado, passou a investir mais na seleção de meninas, primeiro entre as filhas dos escravos vendidos, depois, também entre as filhas dos "seus homens", aquelas que fariam parte de sua guarda pessoal e de seu harém. Destacavam-se, antes de tudo, pelo fanatismo: "Somos homens, não mulheres. Aquelas que voltarem de uma guerra sem terem conquistado algo devem morrer. Qualquer cidade que vamos atacar devemos conquistá-la ou nos enterraremos sob suas ruínas. Guezo é o rei dos reis. Enquanto ele viver, não temeremos nada. Guezo deu-nos um novo dia. Somos suas mulheres, suas filhas, ele nos alimenta".
Apesar disso, Guezo passou para a história como um soberano que reduziu os sacrifícios humanos, ao ordenar, por exemplo, que as mulheres do palácio não fossem sacrificadas após sua morte.


Tirania cega

Treinadas como soldados, elas eram obrigadas ao celibato, a não ser aquelas que o rei escolhia para serem suas esposas ou para dar a seus melhores guerreiros. O corpo das amazonas contava com cinco mil mulheres, repartidas em três brigadas e vários regimentos, sob o comando único de uma guerreira que tivesse se destacado em combate. Sua missão era estar perto do rei e só atacar segundo sua ordem; como disciplina: acostumar-se ao sofrimento e matar, sem cuidar da própria vida. Foi também com esse regimento de elite, verdadeira tropa de choque, que o neto de Guezo, Behanzin, que exerceu um governo de terror, mascarado por uma leve camada de civilização européia, decidiu enfrentar 3600 homens enviados pela França.
Durante quatro meses, os combates foram sangrentos e cruéis, sobretudo porque o rei contava com a obediência cega de suas amazonas que lutavam sem tréguas e com ferocidade incomum. Há testemunhos que afirmam ter encontrado os restos de um grupo de soldados senegaleses que tiveram o coração comido pelas amazonas; ademais, sabia-se que as guerreiras bebiam gin inglês, antes de entrar em batalha, o que as colocava num "indescritível estado de excitação". No final, a expedição francesa, apesar de contar apenas com 1.700 homens, saiu vitoriosa. O rei Behanzin, com pouco mais de mil homens e apenas 100 amazonas, incendiou a capital, fugindo para o Togo com alguns súditos fiéis.


Um século depois

Das fantásticas e inacreditáveis histórias das amazonas reais quase nada restou: ruínas, lembranças. A vida da mulher beninense da atualidade não evoca conquistas, glórias e lutas, mas equaciona-se no binômio família-tradição.
Em primeiro lugar, talvez fosse bom lembrar que a colonização francesa contribuiu muito para desestruturar as bases sociais, evidenciando as diferenças étnicas e atribuindo novos encargos aos chefes locais.
Hoje, o que predomina na sociedade beninense em relação à mulher ainda é a tradição. Se, atualmente, por exemplo, não existem mais as proibições matrimoniais, os costumes são os mesmos do passado. Quando dois jovens querem se casar, os pais do rapaz vão à casa da moça e dizem a seus pais: "Roubamos sua filha". Se a moça e sua família aceitam, começa para o noivo um período de trabalho nos campos do futuro sogro. Em nossos dias, o "preço" da noiva pode ser acertado também em dinheiro, todavia, permanece a colaboração do trabalho oferecida ao sogro.
Como em outras sociedades tradicionais, quando se casa, a noiva vai morar na casa dos pais do marido e se ocupará dos afazeres domésticos. Entretanto, quando está para dar à luz, a esposa volta para a casa de seus pais, a fim de ser ajudada pela mãe, visto que seria um a vergonha mostrar-se inexperiente diante da sogra.
De outro lado, não se pode negar a força do trabalho feminino: os homens pescam e as mulheres encarregam-se de vender os peixes. Elas também se organizam em cooperativas, cujo capital provém da cotização de seus membros e de subvenções oferecidas por organismos da Igreja católica. Essa cooperativa permite que as mulheres peçam empréstimo para comprar produtos da pesca, podendo devolver o dinheiro em prestações, com o lucro obtido.


Mentalidade mágica?

Ainda hoje, apesar do contato com o mundo europeu e, sobretudo, com o cristianismo de diversas denominações, há costumes que não se perdem, por conta daquilo que o nosso mundo chama de "mentalidade mágica". Exemplo disso é a grande quantidade de bebês abandonados: existe um costume que priva do direito de viver o recém-nascido que, na hora do parto, cai sobre o ventre ou que nasce no oitavo mês e também as crianças que tiveram o primeiro dente no maxilar superior, entre outros motivos.
Na questão da saúde, as dificuldades não são menores e atingem sobretudo as mulheres. Quando aparecem os primeiros sintomas de qualquer doença, é costume recorrer à farmacopéia familiar, aconselhar-se com um parente, amigo ou vizinho que "entenda" do assunto. Isso também acontece nos mercados, onde vendedoras indicam remédios, injeções e pílulas, quase sempre falsos, provenientes da Nigéria.
Quando chega aos centros de saúde, o doente já passou por curandeiros. Há dois tipos deles no Benim: os que tratam com produtos vegetais, minerais ou animais e os que consultam o "fa", arte advinhatória local. Não se trata, todavia, de feitiçaria, visto que essa é secreta e maléfica.
Como a doença, então, pode ter origens diversas, segundo o curandeiro-adivinho, muita gente corre o risco de chegar ao médico, quando já não há mais nada para fazer. Foi o caso de uma jovem mulher, lembrado por uma médica do Centro São José de Cotonou: vítima de um linfoma, ela morreu porque foi atendida nas últimas. Sua família e mesmo a comunidade metodista a que pertencia acreditavam que a doença fora "enviada" pelo marido que a abandonara. Acreditar em Deus nem sempre significa aceitá-lo como libertador de maus espíritos.


E as guerreiras?

Entender o desaparecimento do regimento das amazonas não é tão difícil. Com a derrota do rei tirano, a existência das guerreiras não teria mais sentido, visto que naufragava a fonte geradora que as impulsionava a lutar. O que impressiona é que o rei não conseguira tamanha ferocidade, lealdade e fanatismo dos soldados. Talvez o motivo que explique seja a antiga estrutura social do reino de Daomé em que o soberano detinha todo o poder, inclusive o de vida e morte de seus súditos, em que ser mulher era contar muito pouco, era ser um número a mais. Nessa concepção, pertencer ao regimento do rei significava estar, de certo modo, próximo ao poder, agindo como homem, em situação de domínio (inclusive sexual), inspirando medo e respeito, decidindo sobre a vida. Todavia, sendo as amazonas uma exceção na tradicional sociedade africana, seu destino seria fugaz como seu aparente poder. Com a morte do rei, morreria o quase mito das guerreiras. Voltaria a mulher a ser lugar submisso e passivo.
O que restou das amazonas do Benin?
Patrizia Bergamaschi