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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Candomblé Banto

Os bantos são povos da África Meridional que falam entre setecentas e duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, até o cabo da Boa Esperança, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico.
Os bantos trazidos para o Brasil eram falantes de várias dessas línguas, sobressaindo-se, principalmente, os de língua quicongo, falada no Congo, em Cabinda e em Angola; o quimbundo, falado em Angola acima do rio Cuanza e ao redor de Luanda; e o umbundo, falada em Angola, abaixo do rio Cuanza e na região de Benguela.
A importância dos grupos falantes dessas três línguas na formação do Brasil pode ser aferida pela quantidade de termos que a língua portuguesa aqui falada deles recebeu (Castro, 2001), além de outras contribuições nada desprezíveis, como a própria música popular brasileira.
Na esfera das religiões afro-brasileiras, a participação dos bantos foi fundamental, pois é da religiosidade desses povos ou sob sua influência decisiva que se formou no Brasil o candomblé de caboclo baiano e outras variantes regionais de culto ao antepassado indígena, como o catimbó de Pernambuco e da Paraíba, que mais tarde vieram a se reunir na formação da umbanda e que também constituíram uma espécie de contrapartida brasileira ao panteão das divindades africanas cultuadas nos candomblé, no xangô, no batuque e no tambor-de-mina.
As diferentes etnias africanas chegaram ao Brasil em distintos momentos, predominando os bantos até o século XVIII e depois os sudaneses, sempre ao sabor da demanda por mão-de-obra escrava que variava de região para região, de acordo com os diferentes ciclos econômicos de nossa história, e do que se passava na África em termos do domínio colonial europeu e das próprias guerras inter-tribais exploradas, evidentemente, pelas potências coloniais envolvidas no tráfico de escravos.
Nas últimas décadas do regime escravista, os sudaneses iorubás eram preponderantes na população negra de Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma espécie de língua geral para todos os africanos ali residentes, inclusive bantos (Rodrigues, 1976).
Nesse período, a população negra, formada de escravos, negros libertos e seus descendentes, conheceu melhores possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento e maior capacidade de organização.
O cativo já não estava preso ao domicílio do senhor, trabalhava para clientes como escravo de ganho, e não morava mais nas senzalas isoladas nas grandes plantações do interior, mas se agregava em residências coletivas concentradas em bairros urbanos próximos de seu mercado de trabalho.
Foi quando se criou no Brasil, num momento em que tradições e línguas estavam vivas em razão de chegada recente, o que talvez seja a reconstituição cultural mais bem acabada do negro no Brasil, capaz de preservar-se até os dias de hoje: a religião afro-brasileira.
Assim, em diversas cidades brasileiras da segunda metade do século XIX, surgiram grupos organizados que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África.
Nascia a religião afro-brasileira chamada candomblé, primeiro na Bahia e depois pelo país afora, tendo também recebido, como já disse nomes locais, como xangô em Pernambuco, tambor-de-mina no Maranhão, batuque no Rio Grande do Sul.
Os principais criadores dessas religiões foram negros das nações iorubás ou nagôs, especialmente os provenientes de Oió, Lagos, Queto, Ijexá, Abeocutá e Iquiti, e os das nações fons ou jejes, sobretudo os mahis e os daomeanos. Floresceram na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro.
Simultaneamente, por iniciativa de negros bantos, surgiu na Bahia uma religião equivalente às dos jejes e nagôs, conhecida pelos nomes de candomblé angola e candomblé congo.
A modalidade banta lembra muito mais uma transposição para as línguas e ritmos bantos das religiões sudanesas do que propriamente cultos bantos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de divindades e seus mitos como no que respeita às cerimônias e aos procedimentos iniciáticos, mas tem características que fizeram dela uma contribuição essencial na formação do quadro religioso afro-brasileiro: o culto ao caboclo.
Ora, os bantos tinham chegado muito tempo antes dos iorubás e dos fons, estavam bastante adaptados aos costumes predominantes no país, falavam a língua portuguesa e tinham assimilado o catolicismo.
Mas, num país de escravos, ainda eram considerados africanos, como todos os negros e mestiços, e seu lugar na sociedade, por isso, era à margem; sua identidade ainda era africana. Em outras palavras, eram contraditoriamente brasileiros e africanos ao mesmo tempo.
Como africanos meridionais que eram suas remanescentes tradições os orientavam no sentido de cultuar os antepassados, antepassados que na África banta estavam fixados na terra, de modo que cada aldeia tinha seus próprios ancestrais como parte integrante daquele território geográfico e que usualmente não se deslocavam para outros lugares.
Como brasileiros que também já eram, tinham consciência de uma ancestralidade genuinamente brasileira, o índio.
Da necessidade de cultuar o ancestral e do sentimento de que havia uma ancestralidade territorial própria do novo solo que habitavam os bantos e seus descendentes criaram o candomblé de caboclo, que celebrava espíritos dos índios ancestrais.

 (Santos 1995; Prandi, Vallado e Souza, 2001).

Apesar dos bantos estarem no Brasil havia muito mais tempo, indícios históricos nos levam a crer que é tardia a formação de um candomblé banto de culto a divindades africanas, o qual teria surgido apenas quando os candomblés de orixá e de voduns já estavam organizados ou se organizando.
Embora todos os negros e mestiços fossem considerados como iguais, na medida em que ocupavam na sociedade branca posição oficialmente subalterna e marginalizada, as identidades étnicas estavam preservadas nas irmandades religiosas católicas, que reuniam em igrejas e associações específicas os diferentes grupos africanos étnico-linguístico.
Pois quando nagôs e jejes reunidos nas irmandades católicas (Silveira, 2000) refizeram no Brasil suas religiões africanas de origem, os bantos os acompanham.
Pelas razões que já apontei, sua religião de inquices (divindades ancestrais bantas) teve uma reconstituição muito mais problemática, obrigando-se a empréstimos sudaneses nos planos do panteão, dos ritos e dos mitos.
No campo religioso foi, portanto, dupla a contribuição banta originada na Bahia: o candomblé de caboclo e o candomblé de inquices denominado angola e congo — duas modalidades que se casariam num único complexo afro-índio-brasileiro, povoando, a partir da década de 1960, praticamente o Brasil todo de terreiros angola-congo-caboclo.

Nação Cabinda

A nação Cabinda, originária de Angola, adotou o panteão dos Orixás Iorubas, embora estas divindades Bantas teriam como nome correto Inkice.
Os Inkinces são para os Bantos o mesmo que os Orixás para os Iorubas, e o mesmo que os Voduns são para os Jêjes.
Não se trata da mesma divindade, cada Inkice, Orixá ou Vodum possui identidade própria e culturas totalmente distintas.
A linguagem ritual originou-se predominantemente das línguas Quimbundo e Kikongo; são línguas muito parecidas e ainda utilizadas atualmente. O Quimbundo é o segundo idioma nacional em Angola. O Kikongo provém do Congo, sendo também falado em Angola.
Os praticantes da Nação Cabinda também se valem dos rituais da Nação Ijexá.
A diferença se dá basicamente no respeito à memória de seus ancestrais e a outros fatores como o início dos fundamentos da Nação Cabinda, que é justamente onde termina os das outras Nações: o cemitério.
Os Orixás cultuados na Nação Cabinda são os mesmos da Nação Ijexá acrescentando Bará Elegba, Oyá Dirã e Oyá Timboá;
Na maioria das vezes as oferendas também são iguais com pouca diferença como, por exemplo, a obrigação do peixe que na Cabinda oferecem Pintado a determinados Orixás, que no Ijexá damos Jundiá.

Nkisis no rito Angola

O Deus supremo e Criador é Nzambi ou Nzambi Mpungu; abaixo dele estão os Jinkisi/Minkisi, divindades do Panteão Banto. Essas divindades se assemelham a Olorun e Orixás da Mitologia Ioruba, e Olorum e Orixá do Candomblé Ketu.

Os principais Minkisi são:

Aluvaiá, Bombo Njila, Pambu Njila: intermediário entre os seres humanos e os outros Jinkices (cf. Exu (orixá)).
Nkosi: Senhor dos Caminhos, das estradas de terra
Mukumbe, Biolê, Buré: qualidades ou caminhos desse nkise
Ngunzu: engloba as energias dos caçadores de animais, pastores, criadores de gado e daqueles que vivem embrenhados nas profundezas das matas, dominando as partes onde o sol não penetra.
Kabila: o caçador pastor. O que cuida dos rebanhos da floresta.
Mutalambô, Lembaranguange: caçador vive em florestas e montanhas; deus de comida abundante.
Gongobira: caçador jovem e pescador.
Mutakalambô: tem o domínio das partes mais profundas e densas das florestas, onde o Sol não alcança o solo por não penetrar pela copa das árvores.
Katende: Senhor das Jinsaba (folhas). Conhece os segredos das ervas medicinais.
Nzazi, Loango: São o próprio raio.
Kavungo, Kafungê, Kingongo: deus de saúde e morte.
Nsumbu - Senhor da terra, também chamado de Ntoto pelo povo de Kongo.
Hongolo ou Angorô: auxilia a comunicação entre os seres humanos e as divindades.
Kitembo: Rei de Angola. Senhor do tempo e estações.
Kaiangu: têm o domínio sobre o fogo.
Matamba, Bamburussenda, Nunvurucemavula: qualidades ou caminhos de Kaiangu
Kisimbi, Samba_Nkice: a grande mãe; deusa de lagos e rios.
Ndanda Lunda: Senhora da fertilidade, e da Lua, muito confundida com Hongolo e Kisimbi.
Kaitumbá, Mikaiá, Kokueto: deusa do oceano.
Nzumbarandá: a mais velha das Nkisi
Nwunji: Senhora da justiça. Representa a felicidade de juventude e toma conta dos filhos recolhidos.
Lembá Dilê, Lembarenganga, Jakatamba, Kassuté Lembá, Gangaiobanda: conectado à criação do mundo.
Ritual

Na nação Angola, os sacramentos são:

1 - Massangá: Ritual de batismo de água doce (menha), na cabeça (mutue), do iniciado (ndumbi), usando-se ainda o kezu (Obi).
2 - Nkudiá Mutuè: (Bori)- ritual de colocação de forças (Kalla ou Ngunzu (Angola) = Asé (Axé) = Muki (Congo)), através do sangue (menga) de pequenos animais.
3 - Nguecè Benguè Kamutué: ritual de raspagem, vulgarmente chamado de feitura de santo.
4 - Nguecè Kamuxi Muvu: Ritual de obrigação de 1 ano.
5 - Nguecè Katàtu Muvu: Ritual de obrigação de três anos (Nguece = obrigação), nessa obrigação, faz-se o ritual de mudança de grau de santo.
6 - Nguecè Katuno Muvu: Ritual de obrigação de cinco anos, preparação quase que identica a de um ano, só que acompanhada de muitas frutas.
7 - Nguecè Kassambá Muvu: ritual de obrigação de sete anos, quando o iniciado receberá seu cargo, passado na vista do público, sendo elevado ao grau de Tata Nkisi (Zelador) ou Mametu Nkisi (Zeladora).
As obrigações são de praxe para os rodantes, porque Kota (ekedi) e Kambondo (ogã), já recebem seus cargos na feitura, portanto já nascem com suas ferramentas de trabalho, dão suas obrigações para aprimorar seus conhecimentos.
No rito Angola, quem passa cargo são os enredos (qualidades) de Dandalunda. Isto é, não é preciso ser filho de Dandalunda, mas é ela quem autoriza aquela pessoa a receber o cargo.
Após sete anos de obrigações, se renovarão a cada ano com rito de obi ou borí, conforme o caso, repetindo-se as obrigações maiores de sete em sete anos para renovar e conservar o indivíduo forte, transformando-o em Kukala Ni Nguzu- Um ser forte.
Kunha Kele: Sacramento realizado três meses e 21 dias após a feitura (tirada de kele), quando o santo soltará a Kuzuela = Ilá.

Ordem de barco (sequência das pessoas recolhidas juntas para iniciação) na Angola

1º - Kamoxi, 2º - kaiari, 3º - katatu, 4º - Kakuanam, 5º - kakatuno, 6º - Kassagulu, 7º - Kassambà.

Ritmos

No rito Angola, o repertório rítmico é composto por três poliritmos básicos e algumas variações sobre estes.
São eles: cabula congo e barravento (do qual a variação mais conhecida é a muzenza). Todos são ritmos rápidos, bem "dobrados", repicados e tocados "na mão" (sem varinha).
De modo geral, todas as divindades podem ser louvadas com cânticos ao som de qualquer dos três: sejam os orixás, inkices, ou aquelas tidas como originárias dos cultos ameríndios (caboclos índios e boiadeiros).
A própria aceitação dos elementos nacionais sobrepostos às influências africanas no candomblé angola é perceptível, principalmente pelas letras das cantigas, cantadas em português e mescladas aos fragmentos das línguas "banto".
No candomblé Ketu a tolerância ao português é mais restrita e as casas de Ketu que cultuam caboclos estabelecem uma "mediação" que intercala, na ordem do xirê, o toque dos caboclos.
Assim, para que o "xirê Ketu" possa abrigar as toadas de caboclo é preciso que ocorra uma "transição musical", na qual o toque "vira para Caboclo”, não sem antes serem cantadas algumas cantigas de angola como este ingorossi.

(reza):

"Sequecê di quan Dandalunda
Sequecê di quando eu andá...“.
(rito angola)

Desse modo, vemos como os repertórios musicais referendam as sobreposições dos modelos angola e Ketu, sendo um dos elementos principais para sua afirmação e identificação.
No caso do candomblé angola, é inegável que um repertório cuja letra permite associações com palavras em português, estabeleça uma comunicação muito mais direta e fácil, inclusive entre a divindade e o interlocutor, tornando-se mais "inteligível" e mais facilmente memorizável.

Eis um exemplo:

"Fala mameto caiangô
Kicongo quando come
Lemba di lê”.
(cantiga de Obaluaê - rito Angola)

"Aê seu kafunã
Omulu que belo ojá
Aê aê seu Kafunã"

(idem)

O mesmo acontece com as toadas ou "salvas" de caboclo (cantiga com que o caboclo se apresenta), cujas letras costumam ser em português e relatam acontecimentos relacionados à sua "vida" mítica, entre outras coisas.

Como esta:

"Eu vinha pelo rio de contas
Caminhando por aquela rua
Olha que beleza!
Sou boiadeiro do clarão da lua"

Ou ainda esta outra:

"Campestre verde, ó meu Jesus (bis)
Madalena chorava aos pés da cruz
Com sete dias, minha mãe me deixou (bis)
Me deixou numa clareira, Ossanha que me criou"

Nesse sentido, os ritmos angola compartilham um repertório musical muito mais próximo do modelo de música popular brasileira, dentro da qual o samba é a principal expressão.
Não é de se estranhar que um toque de angola seja também chamado de "samba de angola", fazendo referência não apenas à semelhança dos ritmos, mas também à alegria e descontração da dança.
Ao contrário da coreografia Ketu, caracterizada pelas particularidades do orixá e conduzida pelo ritmo, no angola um número bem menor de variações rítmicas admite um leque maior de danças, incluindo a dos caboclos, que dançam com maior inventividade.
Por outro lado, alguns ritmos podem caracterizar situações rituais precisas, que terminam por eles sendo denominadas.
É o caso do "barravento" que, sendo um toque rápido e propiciatório ao transe (e, portanto semelhante ao adarrum no Ketu), acaba denominando os movimentos que prenunciam o transe.
Também o ritmo muzenza (uma "variação" do "barravento") pode designar a dança, curvada, característica da primeira saída pública de iniciação no angola, também chamada de "saída de muzenza", símbolo da humildade do iniciado.
De qualquer modo, é através da música ritual que as diferenças entre as "nações" são observadas, revelando a forma do culto não só pela maneira como se toca, mas, também, como se canta, o que se canta, como se dança, para quem e em que ocasiões.