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sábado, 24 de setembro de 2011

Falares Africanos na Bahia

Esta é a obra mais completa já escrita sobre as influências das línguas africanas no português do Brasil. Resultado de 40 anos de infatigável e meticuloso trabalho na Bahia, na República Democrática do Congo (ex-Zaire) e na Nigéria, nela se mostra o quanto deve a língua portuguesa - e não apenas em terras baianas - aos numerosos idiomas dos africanos que, embarcados à força para o Brasil, se tornaram nossos ancestrais. (...) Falares africanos na Bahia é um livro de leitura e consulta. Um livro cuja importância é tamanha que não pode estar ausente da estante não só daqueles que se dedicam ao estudo do português do Brasil mas também dos que se debruçam sobre a história da escravidão e formação do povo brasileiro (...).
(Da Apresentação do Acadêmico Alberto da Costa e Silva)

O glossário da polêmica

Balangandã
O Aurélio e o Houaiss juram tratar-se de uma onomatopéia, ou seja, uma palavra que representa o som do objeto - no caso, o tilintar dos colares das escravas. Mas Yeda registra: vem do banto mbalanganga, que significa tanto penduricalho como testículos.
Caçula
A origem é, em quicongo, kasuka e em quimbundo, kasule. Em português castiço, a palavra inexiste. O filho mais novo é chamado de benjamim.
Cafuzo
Para o Aurélio, pode ser uma corruptela de cara fusca, já que existe a forma carafuzo. Para Yeda, não há dúvidas. É banto: nkaalafunzu, que significa mestiço.
Cochilar
Soa português lusitano, mas é banto. Vem de kushila. Na terrinha, diz-se dormitar.
Marimbondo
Vem de (ma)di(m)bondo em quimbundo e alimbondo em umbundo, embora seja outra que pareça totalmente natural em português. Em tempo: o termo lusitano é vespa.
Minhoca
O Houaiss diz que a palavra tem origem desconhecida e cita autores que descartam uma raiz africana. O glossário de Yeda registra (mi)nyoka, ou seja, cobra, como a chave do mistério.
Mocotó
Yeda sustenta que a palavra vem do banto (ma)kooto, termo que designa pernas ou patas. Houaiss e Aurélio trazem a antiga versão de que a origem é tupi: mbokotog, ou que faz balançar.
Moranga
O Aurélio aposta na origem tupi, morãg, que teria como referência os gomos arredondados da abóbora. Houaiss traz a etimologia adotada por Yeda: manyangwa, que significa, exatamente, abóbora.
Quilombo
Embora não haja dúvidas sobre o fato de ser um termo banto (kilombo), no filme de Cacá Diegues, Quilombo, os personagens que viviam em Palmares falavam iorubá...
Songamonga
Parece gíria de tempos antigos. Os dicionários garantem que tem origem espanhola: songa, ou burla (zombaria), sendo o monga apenas uma rima aleatória. Em banto, porém, há sungumuka, usado, inclusive, para adjetivar uma roupa que caísse de forma desajeitada na pessoa.
Yeda Pessoa de Castro:
''A integração entre português e banto é tamanha que a gente não se apercebe da origem africana de palavras como cochilar ou marimbondo''

Um mundo de palavras

Há muito mais da África na língua falada no Brasil - sobretudo na Bahia - do que supõem os acadêmicos que estudam o português formal.
Invisíveis perante estudiosos durante séculos, os falares africanos impregnaram o português arcaico, a ponto de palavras originárias dessas línguas serem usadas no dia-a-dia sem que a elas se dê o crédito devido, inclusive nos dicionários.
Em algumas regiões da África existem estudos sobre essa influência. Por aqui, essa aceitação implicaria "reescrita" da história da formação do português brasileiro, explica a etnolingüista baiana Yeda Pessoa de Castro.
O português é africanizado principalmente por conta da influência das línguas de origem bantu (ou banto) - região da qual foi retirada, à força, a maior parte dos negros escravizados que para cá foram trazidos nos primeiros séculos da Colônia.
Diferente, portanto, da difundida idéia que entende o iorubá como "a" língua africana. Esse imaginário é forte a ponto de ter existido projeto de lei querendo instituir o iorubá como língua de aprendizado nas escolas da Bahia. Como se essa fosse a única língua na África.

Famílias Linguísticas

Calcula-se em torno de 1.900 línguas primárias na África, agrupadas em quatro famílias lingüísticas, segundo estudos de Joseph Greenberg (1955):
afro-asiática; nilo-saariana; coissã e niger-congo (estas duas últimas em territórios abaixo do Saara). São dois grupos de línguas: as oeste-africanas (do Senegal até a Nigéria) e o banto (território subequatorial).
Certamente que as línguas de origem iorubá também estão presentes nos falares da Bahia, mas se concentram, sobretudo, no domínio religioso e em Salvador (ebó; ialorixá...).
Porém, esse traço lingüístico, por ser muito mais recente do que o banto - os africanos iorubás foram trazidos para cá 200 anos depois que esses primeiros - não teve a mesma influência que esta primeira na formação da língua falada aqui.
"No que concerne à influência banto, ela é muito mais profunda por ter sido a mais antiga no Brasil. Este fato é revelado pelo grande número de palavras de base banto correntemente empregado no português do Brasil - uma média de 75% - e de derivados portugueses formados a partir de uma mesma raiz banto (...) sem que os locutores brasileiros tenham consciência de que essas palavras são de origem africana, muito menos banto", escreve a etnolingüista no texto "Presença da África na Bahia".
Quando os navios com escravos iorubás aportaram no Brasil (conseqüência da destruição do reino iorubafone de Ketu e, no século XIX, do Império de Oyo, na hoje Nigéria), a mão-de-obra escrava se fazia necessária mais nas cidades, sobretudo litorâneas, como é o caso de Salvador (a mão-de-obra banto, antes, era usada sobretudo nos engenhos).
Daí por que quando Nina Rodrigues, no início do século passado, escreve o livro "Africanos no Brasil", tendo concentrado sua pesquisa em Salvador, descobre a forte influência iorubá por aqui, baseado nas pesquisas em terreiros de candomblé. Os estudos nos terreiros de tradição iorubá também encantaram o antropólogo Pierre Verger.
"Até então, as pesquisas, com raríssimas exceções, estavam concentradas na cidade do Salvador e em determinados terreiros de candomblé onde a presença religiosa iorubá é bastante evidente, fazendo com que a tradição de chamar a cidade do Salvador pelo seu antigo nome de Bahia terminasse por generalizar inadequadamente essa herança iorubá a todo o Estado da Bahia, o que historicamente não se justifica", continua a etnolingüista.
É por essas e outras que a idéia de que todo afrodescendente baiano tem a ver com os iorubás-nagôs ainda é recorrente. Contribuindo para conservar o mito da Aruanda - a África mítica, única, sem diversidade cultural, religiosa e lingüística -, e da "baianidade nagô".

Regina Bochicchio