Os bantos, povos cujas línguas possuem uma origem comum e, por isso, o termo "Banto" delimita um grupo linguístico africano e não uma etnia vivem em todo o território abaixo do equador, ocupando uma área de 9.000.000 Km2 e englobando190. 000.000 de indivíduos.
Apesar das grandes especificidades culturais que pode haver entre 190.000.000 de indivíduos, os Bantos possuem outras características culturais semelhantes além do parentesco linguístico.
Segundo Nei Lopes, "(...) parece que em todas as religiões bantas os espíritos dos ancestrais são os intermediários entre a divindade suprema e o homem. Assim, são eles que levam as oferendas dos fiéis e intercedem em seu favor junto a Nzambi (...)".
Essa importância do espírito dos ancestrais na religiosidade Banto é o segundo fator que evidencia o caráter religioso inicial do Zambiapunga.
Os bantos, habitantes da África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, até o cabo da Boa Esperança, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico.
Os bantos trazidos para o Brasil eram falantes de várias dessas línguas, sobressaindo-se, principalmente, os de língua quicongo, falada no Congo, em Cabinda e em Angola; o quimbundo, falado em Angola acima do rio Cuanza e ao redor de Luanda; e o umbundo, falada em Angola, abaixo do rio Cuanza e na região de Benguela.
A importância dos grupos falantes dessas três línguas na formação do Brasil pode ser aferida pela quantidade de termos que a língua portuguesa aqui falada deles recebeu (Castro, 2001), além de outras contribuições nada desprezíveis, como a própria música popular brasileira.
As diferentes etnias chegaram ao Brasil em distintos momentos, predominando os bantos até o século XVIII e depois os sudaneses, sempre ao sabor da demanda por mão-de-obra escrava que variava de região para região, de ocordo com os diferentes ciclos econômicos de nossa história, e do que se passava na África em termos do domínio colonial europeu e das próprias guerras intertribais exploradas, evidentemente, pelas potências coloniais envolvidas no tráfico de escravos.
Nas últimas décadas do regime escravista, os sudaneses iorubás eram predominantes na população negra de Salvador, a ponto de sua língua funcionar como uma espécie de língua geral para todos os africanos ali residentes, inclusive bantos (Rodrigues, 1976).
Nesse período, a população negra, formada de escravos, negros libertos e seus descendentes, conheceu melhores possibilidades de integração entre si, com maior liberdade de movimento e maior capacidade de organização.
O cativo já não estava preso ao domicílio do senhor, trabalhava para clientes como escravo de ganho, e não morava mais nas senzalas isoladas nas grandes plantações do interior, mas se agregava em residências coletivas concentradas em bairros urbanos próximos de seu mercado de trabalho.
Foi quando se criou no Brasil, num momento em que tradições e línguas estavam vivas em razão de chegada recente, o que talvez seja a reconstituição cultural mais bem acabada do negro no Brasil, capaz de preservar-se até os dias de hoje: a religião afro-brasileira (Prandi, 2000).
E como parte integrante do culto, e ao mesmo tempo como elemento constitutivo do cotidiano do negro, preservou-se no Brasil um dos mais ricos filões culturais da África: a música, mais especificamente, a música sacra, com seus ritmos, instrumentos e formas de composição poética.
Assim, em diversas cidades brasileiras da segunda metade do século XIX, surgiram grupos organizados que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África.
Nascia a religião afro-brasileira dos orixás, voduns e inquices, chamada candomblé primeiro na Bahia e depois pelo país afora, tendo também recebido nomes locais, como xangô em Pernambuco, tambor-de-mina no Maranhão, batuque no Rio Grande do Sul.
Os principais criadores dessas religiões foram negros das nações iorubás ou nagôs, especialmente os provenientes de Oió, Lagos, Queto, Ijexá, Abeocutá e Iquiti, e os das nações fons ou jejes, sobretudo os mahis e os daomeanos.
Floresceram na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro.
Embora tenha também surgido e se mantido uma religião equivalente por iniciativa de negros bantos, a modalidade banta lembra muito mais uma adaptação das religiões sudanesas do que propriamente cultos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de divindades como no que respeita às cerimônias e aos procedimentos iniciáticos.
Se é verdade que os bantos copiaram a religião dos iorubás, religião dos orixás que aqui se reconstituiu com muitas influências da religião dos voduns dos fons e com muitas agregações sincréticas tomadas do catolicismo, se os bantos adotaram os orixás iorubanos, que eles chamaram pelos nomes dos esquecidos inquices, suas divindades bantas originais, se eles incorporaram os ritos de iniciação, a forma ritual das celebrações e a organização sacerdotal dos grupos de origem sudanesa, sua música sacra logrou, contudo, manter-se mais próximas às raízes bantas, com ritmos próprios e modos de percussão muito distintos daqueles preservados nos grupos de culto sudaneses, chamados candomblé queto, alaqueto ou jeje-nagô.
Entoando letras em língua ritual de origem banta, hoje muito deturpada e misturada com palavras do português, soando os tambores com as palmas das mãos e dedos, enquanto os iorubás e fons-descendentes o fazem com varetas, os candomblés angola e congo, como são chamados os templos bantos, cantam um tipo de música que soa muito familiar aos ouvidos dos não iniciados.
Pois foi justamente da música sacra desse candomblé banto que mais tarde se formou, no plano da cultura profana do Rio de Janeiro, um gênero de música popular que veio a ser uma importante fonte da identidade nacional brasileira nos decisivos anos 30 do século XX: o samba.
Por muito tempo o candomblé e as outras formas regionais de culto afro-brasileiro permaneceram mais ou menos confinados a seus locais de origem.
Mas logo no início, com o fim da escravidão, muitos negros haviam migrado da Bahia para o Rio de Janeiro, levando consigo sua religião de orixás, de modo que na então capital do país reproduziu-se um vigoroso candomblé de origem baiana, que se misturou com formas de religiosidade negra locais, todas eivadas de sincretismos católicos, e com o espiritismo kardecista, originando-se a chamada macumba carioca e pouco mais tarde, nos anos 20 e 30 do século passado, a umbanda.
A umbanda e o samba constituíram-se mais ou menos na mesma época, ambos frutos do mesmo processo de valorização da mestiçagem que caracterizou aqueles anos e de construção de uma identidade mestiça para o Brasil que então se pretendia projetar como um estado nacional moderno, uma sociedade grande e homogênea, e por isso mesmo mestiça, o "Brasil Mestiço, onde a música samba ocupa lugar de destaque como elemento definidor da nacionalidade", nas palavras de Hermano Vianna (1995: 20).
Mais tarde, no final anos 60 e começo dos 70, iniciou-se junto às classes médias do Sudeste a recuperação das nossas raízes culturais, reflexo de um movimento cultural muito mais amplo, que, nos Estados Unidos e na Europa, e daí para o Brasil, questionava as verdades da civilização ocidental, o conhecimento universitário tradicional, a superioridade dos padrões burgueses vigentes, os valores estéticos europeus, voltando-se para as culturas tradicionais, sobretudo as do Oriente, e buscando novos sentidos nas velhas subjetividades, em esquecidos valores e escondidas formas de expressão.
No Brasil verificou-se um grande retorno à Bahia, com a redescoberta de seus ritmos, seus sabores culinários e toda a cultura dos candomblés. As artes brasileiras em geral (música, cinema, teatro, dança, literatura, artes plásticas) ganharam novas referências, o turismo das classes médias do Sudeste elegeu novo fluxo em direção a Salvador e demais pontos do Nordeste.
O candomblé se esparramou muito rapidamente por todo o país, deixando de ser uma religião exclusiva de negros, a música baiana de inspiração negra fez-se consumo nacional, a comida baiana, nada mais que comida votiva dos terreiros, foi para todas as mesas, e assim por diante (Prandi, 1991).
Ia se completando, agora de modo escancarado, uma retomada das influências africanas na cultura brasileira, a partir dos terreiros de candomblé, que lá pelos anos 20 e 30 já tinha dado à luz, sem dizer exatamente de onde vinha, a música popular brasileira considerada a mais legítima.
fonte:
Dois mil anos de samba - texto de Abdu Ferraz