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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Coleções de arte africana em museus

Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.
De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual intelectual e artística o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.
E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.
Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais.
As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não ocidentais (não europeias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência.
A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a ideia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências europeias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.
O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir.
As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia).
O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui).
Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média europeia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a europeia.
Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" europeia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.
Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo dado a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.
É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais. É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.

Fonte:
África: culturas e sociedades
Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)
Texto do guia temático para professores África: culturas e sociedades, da série Formas de Humanidade, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Escrito em janeiro de 1999 e revisto e adaptado em julho de 2005 para publicação neste site.

A expressão "arte africana" pode parecer muito redutora, amalgamando, como monolítica, uma vasta produção técnica, estilística e ontológica de centenas de sociedades, reinos e culturas da África tradicional. Mas é essa mesma expressão que nos permite sempre lembrar que as artes das sociedades da África foram, antes, rotuladas no singular, depois de terem sido chamadas de "arte primitiva" ou "selvagem".
Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que plural, trata-se de uma arte única diante do mundo, mas que foi minimizada diante das ideologias que se vêm construindo desde o renascimento europeu, que culminaram na escravidão nas Américas e na colonização do continente africano, e que ameaçam até hoje a aceitação das diferenças individuais e coletivas e do pluralismo cultural em todo o mundo.
É nessa linha de pensamento que se baseia o material deste site, focado particularmente em estética e cultura material da África, e em coleções de arte africana em museus.

Veja:
http://www.arteafricana.usp.br/
Arte Africana
Pintura | Escultura | Arquitetura |

A arte africana exprime usos e costumes das tribos africanas. O objeto de arte é funcional, criado para ser utilizado, ligado ao culto dos antepassados, profundamente voltado ao espírito religioso, característica marcante dos povos africanos. É uma arte extremamente representativa. A arte africana chama atenção pela sua forma e estética. Nos simples objetos de uso diário como ornamentos e tecidos, expressam muita sensibilidade.
Nas pinturas, assim como nas esculturas, a presença da figura humana identifica a preocupação com os valores étnicos, morais e religiosos.
A escultura foi amplamente usada pelos artistas africanos utilizando o ouro, bronze e marfim. As máscaras têm um significado místico e importante da arte africana, uma vez que representam um disfarce para a incorporação dos espíritos e a possibilidade de adquirir forças mágicas. São usadas nos rituais e funerais. São confeccionadas de barro, marfim, metais, mas o material mais utilizado é a madeira.
São modeladas em segredo na selva para estabelecer a purificação e a ligação com a entidade sagrada. O maior acervo da arte antiga africana encontra-se nos museus da Europa Ocidental.

Fonte: Wikipédia