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sábado, 3 de dezembro de 2011

Ese, caminhos de Orunmila Ifá


Dentre as diversas manifestações que constituem o saber de Orunmila, que são consecutivas e essenciais dentro da pratica da religião tradicional iorubá, está Ese Ifa, o seu corpus poético.
Esé Ifá reúne os Itans, os contos e narrações sobre os deuses dessa mitologia.
Esse extenso conjunto literário contem o conhecimento e a tecnologia sagrada da cultura iorubá, bem como a sua memória histórica.
Uma grande parte do aprendizado dos babalaôs e dos Awo Orisa era centrada na memorização desse corpus.
Infelizmente essa pratica está faltando para a maioria dos adivinhos que se rotulam sacerdotes de Ifa.
Geralmente o argumento apresentado é que a memorização não é mais necessária nos dias de hoje devido ao advento da linguagem escrita.
Além disso, todo esse material está disponível e acessível por todos, mesmo aqueles que não praticam a religião, através de livros e até mesmo pela internet.
Entretanto para os verdadeiros conhecedores e iniciados nesse saber, esse imenso material é apenas uma parte do todo.
Aquilo que se encontra nos livros e em outras fontes está incompleto e na maioria das vezes distorcido.
Estamos nos referindo a algumas centenas de poemas.
Ifá é um corpus literário, um conjunto do saber.
Sua tradição vive e respira através dos sacerdotes que carregaram consigo essa sabedoria através do tempo.
Nas sociedades antigas, especialmente no caso da literatura religiosa, a literatura é muito mais do que contar histórias e fazer poemas.
É nesse sentido vem a outra questão relativa à memorização, a de que Ese Ifa abarca a tecnologia do sagrado.
Aqueles que receberam essa iniciação e aprendizado sabem que esses poemas constituem a base de todo o saber:
As mensagens e as curas para os clientes que fazem uma consulta, bem como "as palavras de poder", o conhecimento sagrado e os meios de atingir essas diversas tarefas espirituais.
Os indivíduos que encaram Ese Ifa apenas como um equipamento mnemônico usado para levar as mensagens do outro mundo para o cliente, durante o processo de adivinhação, são aqueles que possuem um conhecimento limitado desse corpus, pois é através da memorização que o Awo se internaliza.
A memorização cria causa e efeito dentro do Awo.
É através da memorização que essa literatura anima e é animada.
Pois quando a sabedoria é transcrita ela perde sua energia, tornando-se estática.
Se encararmos Ese Ifa e seus Itans apenas como um conjunto de historias de tempos ancestrais dentro de uma cultura muito diferente da nossa, o seu valor certamente se reduzirá e o conhecimento desse todo ficará limitado a algumas lendas.

Caminhos

Odus são presságios, destinos, predestinação.
Os odus são inteligências siderais que participaram da criação do universo.
Cada pessoa traz um odu de origem e cada orixá é governado por um ou mais odus.
“Cada odu possui um nome e características próprias e divide-se em “caminhos” denominados” ese” onde está atado a um sem-número de mitos conhecidos como Itàn Ifá.
Os repositórios fundamentais das narrativas míticas e fórmulas rituais destes cultos são o seu sistema divinatório e o conjunto de mitos e contos morais, geralmente guardados e relatados pelos componentes mais antigos da comunidade.
No caso específico do Candomblé de origem Ioruba (objeto do estudo), tais saberes estão consideravelmente preservados.
Mais recentemente (pelo menos nos últimos 30 anos), tem havido a recuperação do conjunto de poemas de Ifá, com a vinda de nigerianos para o Brasil, inicialmente para São Paulo.
O Ifá consiste no sistema oracular ou divinatório Ioruba, comandado pelo deus da adivinhação, conhecedor do destino dos homens e da vontade dos deuses – Örúnmìlà -, e do elemento comunicador Èñù .
Chamados de versos de Ifá, estes poemas se referem a histórias de um conjunto de 256 signos denominados de Odù.
Os Odù são entidades do mundo sobrenatural que comandam o destino.
Para cada Odù há diversas histórias nomeadas de ese (caminho), cujo conteúdo é revelado como vaticínio nas consultas oraculares.
O tipo de narrativa que mais interessa neste trabalho são os chamados ìtàn àtowódówó.
Este tipo de ìtàn revela os acontecimentos dos tempos imemoriais, os mitos cosmogônicos e a epopeia dos deuses primordiais ioruba na instauração da ordem no caos primevo.
O conhecimento do conjunto de ìtàns e de diversas outras formas de narrativas pertence aos bàbáláwo (sacerdotes cuja principal função é desvendar, através dos oráculos, a vontade dos deuses e entidades sobrenaturais).
Os conteúdos e saberes que circulam no espaço religioso são fechados, sendo as suas distribuições parcimoniosas, frutos do merecimento e das demonstrações de capacidade intelectual em aprender.
É preciso ser inteligente e ter boa memória para absorver os fundamentos sagrados.
O último representante da antiga tradição dos babalaô no Brasil.
Estes relatos míticos - revelados pelos ìtàn - falam da comunicação entre forças do mundo dos homens e do mundo sobrenatural.
Essa rede de relações de comunicação, que na perspectiva do Candomblé se estabelece entre os espaços imanente (àiyé) e transcendente (orun), se desdobra em múltiplas instâncias:
Entre homens e orixá, entre os próprios homens, com o destino (odù), o orí (cabeça-divindade / destino pessoal), ancestrais, entidades e forças do mundo sobrenatural.
No Àiyé – mundo material – habitam os homens, os animais, vegetais e minerais.
No Orun – além ou mundo imaterial – moram os deuses, os ancestrais e demais entidades.
Na concepção Ioruba, o Àiyé é uma das camadas ou extensões do Orun, que se compõe em nove estratos superpostos.
Em alguns relatos míticos, o Àiyé seria a parte central do Orun, havendo quatro níveis que ficariam sob a Terra.
Porém, na versão mais conhecida, Àiyé e Orun seriam as duas metades indivisíveis de uma cabaça - inferior e superior, respectivamente.