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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Matisse e o Magreb

Entre maio a outubro de 1910, teve lugar no Parque de exposições de Munique em Theresienhöhe a maior exposição de arte islâmica da história da Europa. Com quase 3.600 obras emprestadas de coleções internacionais, o evento exibiu pela primeira vez todo o espectro de artes visuais do mundo muçulmano. Considerando que até então, a apresentação da arte islâmica na Europa havia sido frequentemente obscurecida pela inclinação do público por bazares orientais e pelas mil e uma noites, Munique escolheu para exibir pela primeira vez as peças de arte com objetividade. O objetivo era mostrar a arte de países islâmicos colocando-as no mesmo nível que peças de arte europeia. Esta exposição foi um marco por ter introduzido efetivamente a arte islâmica na sociedade ocidental com grande repercussão até a década de 1950.
A exposição de arte islâmica de Munique em 1910 veio com o impacto de uma revelação.
Matisse assimilou com prazer a força motivadora que essa "extraordinária exposição em Munique" lhe trouxe.
No ano seguinte, viajou para a Espanha para pesquisar a arquitetura mourisca antes de realizar uma viagem para o Marrocos em 1912. Ele havia visitado o norte de África anteriormente, em Maio de 1906. 

Esta viagem de duas semanas até o oásis argelino de Biskra não tinha sido bem sucedida. Biskra, ao contrario de estar afastada da rota de turismo, como nos tempos de Guillaumet, havia-se tornado um destino central de viagens.
Ao invés de servir como plano de fundo sensual para L'Immoraliste de Andre Gide, Biskra era uma base conveniente para os europeus lascivos conferirem a prostituição institucionalizada da tribo berbere Ouled Nail. Matisse queixou-se que a devassidão dos artistas britânicos havia levantado o preço das modelos para níveis exorbitantes. Ali descobriu que "a luz é cegueira" e produziu apenas um esboço. Ele iria levar um ano para digerir suas experiências até produzir o Nu Bleu (foto acima), aquela perturbadora odalisca azul contra um pano de fundo com as palmeiras de Biskra.
Quando Matisse desembarcou em Tânger, a 29 de Janeiro de 1912, estava bem mais preparado. Ele conhecia o Marrocos através das obras de Delacroix e as passagens descritivas de Au Maroc de Pierre Loti. Mais uma vez não era para Matisse estar sozinho. Tanger havia se tornado um local para os artistas esboçarem. Ele se reuniu com um velho amigo da época de estudante, o artista canadense James Wilson Morrice, que estava hospedado por coincidência no mesmo hotel. Numa outra situação ele se safou rapidamente de alugar um estúdio quando descobriu que o edifício também abrigava onze artistas belgas.
Além de conhecer a paisagem circundante, não havia nada de estimulante nessa viagem. Matisse permaneceu no quarto 35 do Grand Hotel de la Villa de France em Tanger, que era mantido num estilo escrupuloso por uma senhora de nome Davin. Sua ignorância dos assuntos locais era quase total. Seu tempo em Tanger coincidiu com as matanças no Marrocos (o último Estado independente no norte de África), que estava em vias de ser absorvido no Império colonial francês. Não há nenhuma menção quanto a isso na correspondência de Matisse, que ao invés discorria obsessivamente sobre o clima – um período desagradável de chuva de 15 dias, seguidos por uma Primavera verdejante extraordinária. Três dias depois ele deixou Tanger, "emocionado pelas flores", enquanto toda a Comunidade Europeia em Fez estava sendo massacrada por uma insurreição popular. Matisse não teria dado um bom correspondente de imprensa.
Ele voltou para Tanger em outubro mesmo para mais quatro meses de pintura. Sua técnica era primeiro esboçar prodigamente "para obter domínio de seu assunto" para então instalar-se para pintar. Ele pintou principalmente flores, e a vista de sua janela do hotel, o porteiro de um hotel vizinho e (com a permissão do Mme Davin) uma prostituta local, chamada Zohra. Tanger acabou se provando um momento excepcionalmente produtivo e é considerado atualmente como o ponto culminante do seu período de fauve.
Atualmente é quase impossível para qualquer pintor europeu a abordar a África do Norte, que não seja através da visão de Matisse. Aquele tríptico constituído pela Porte de la Kasbah, a prostituta Zorah sur la Terrasse e o célebre Paysage Vu d'une Fenetre (a vista da Igreja Anglicana de St. Andrew definida contra a muralha antiga da cidade de Tanger a Branca) tornou-se uma referencia no norte de África.
Seu majestoso retrato verde de um humilde nativo, Le Rifain debout, adquiriu logo o status de um ícone daquilo que viria a ser a rebelião de heroica de Rif em 1920. Mas talvez a imagem que melhor representa o poder de Matisse é o Café Marocain, o maior, mais abstrato e contemplativo de todos os seus quadros de Tanger. Ele possui uma qualidade Serena, etérea, além de uma perturbadora afinidade com as visões orientais de Ingres. Matisse descreveu seu trabalho como "a pesquisa de mim mesmo através da sondagem de diversos motivos". É uma confissão brutalmente honesta sobre o papel que África do Norte ocupara na realização de um grande artista europeu.