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domingo, 4 de dezembro de 2011

Robert Voeks - As folhas sagradas do candomblé

Em suas explorações etnobotanicas sobre o candomblé brasileiro, Robert Voeks revelou dimensões fascinantes dentro desse terreno religioso.
As plantas sagradas são raramente mencionadas em trabalhos sobre as religiões afro-brasileiras, se compararmos com a vasta literatura etnobotanica que se desenvolveu intensamente nas religiões autóctones do novo mundo.
No seu trabalho, Voeks situa a importância das plantas sagradas na cura e liturgia do Candomblé.
No seu livro, Sacred Leaves of Camdomblé, ele observa as evidencias botânicas, explora os processos históricos através dos quais a flora do oeste africano foi reconstituída na Bahia, e examina o seu papel dentro da cosmologia e pratica do candomblé contemporâneo.
Seus dados derivam do material botânico coletado em suas expedições com os adeptos do candomblé, entrevistas e participações nos rituais, e discussões com os proprietários e fornecedores do comercio de folhas, as casas de ervas.
Tudo isso é complementado pelas suas próprias expedições e pela extensa pesquisa na literatura tanto sobre o tema do candomblé como a de seus predecessores iorubas.
Ao concluir que apenas uma pequena parte das espécies frequentemente usadas no Brasil é de origem africana, ele especulou como os curandeiros africanos recriaram a flora sagrada dos iorubas, a principal influencia no candomblé baiano, dentro da paisagem forasteira da costa Baiana e os confins da civilização europeia.
Num capitulo especialmente intrigante desse livro ele aponta que a vegetação do serrado brasileiro e as savanas da África ocidental formam uma massa territorial e possuem uma flora comum.
É evidente que apos 35 milhões de anos que esses continentes separaram-se as espécies evoluíram de modo diverso, e possuem poucas plantas em comum, mas a nível genético ainda reúnem numerosas formas vegetais.
Voeks descobriu que os especialistas do candomblé, adaptaram muitas das espécies do novo mundo pelas africanas, usando suas similaridades genéricas como base para a substituição das plantas sagradas dos iorubas.
Ele conclui que assim como em outros aspectos de sua pratica, o candomblé substituiu o repertorio botânico no seu novo ambiente de uma maneira criativa.
A difusão do conhecimento botânico se compara com o processo de como as religiões africanas se estabeleceram no Brasil.
Em seu livro ha capítulos sobre medicina, a classificação farmacêutica das espécies, incluindo fotos e uma extensa lista de espécies usada pelos sacerdotes, com nomes científicos e populares e seus usos.
Ele discute o significado simbólico, seus poderes de cura, as divindades associadas às espécies botânicas, assim como a classificação (frio-quente) derivada das tradições míticas iorubanas e do sistema “humoral” europeu.
Ele desafia aqueles que descartam a contribuição da medicina farmacêutica africana para o Brasil.
Em uma nota mais incisiva, ele aponta a ameaça crescente sobre esse tênue conhecimento botânico pelos lideres dessas novas religiões urbanas bem como o dos espaços exíguos disponíveis para o cultivo dessa flora.
Ha quem questione a escolha de Voeks para sua extensa revisão do material que existe sobre a historia da escravidão e da cultura afro-brasileira, ao invés de simplesmente listar as implicações do ambiente e da etno-farmacopéia no seu estudo.
A crescente globalização da flora tropical e a importância das paisagens e a indiscriminada limpeza do "mato" para o cultivo, ameaçam as florestas primarias, as principais fontes de diversidade botânica e de plantas medicinais.
Além da ênfase que dá as similitudes em detrimento das diferenças, produzem um retrato da pratica e do conhecimento sintético etno-botanico do candomblé.
Esse contraste com o dinamismo ele atribui ao processo histórico da reconstrução criativa das plantas sagradas.
E que também negligencia as diferenças e contestações entre os praticantes do candomblé contemporâneo, que atribuem a esse dinamismo continuo.
A conclusão de Voeks de que o candomblé representa uma mistura criativa da flora europeia, africana e ameríndia, evoca mais o trabalho de Gilberto Freire, do que os eloquentes debates sobre a identidade africana e sua ortodoxia e o papel do catolicismo na pratica religiosa afro-brasileira.
Seria interessante saber por que e como o estudo das plantas do candomblé e seus usos simbólicos possam ser relevantes nesses debates.
Por ser um cientista americano, Voeks deve ter questionado sua própria posição e seus preconceitos sobre esses assuntos.
De qualquer modo, o seu livro sobre as folhas sagradas no candomblé, representa uma contribuição criativa para os estudos afro brasileiros, a etno-botanica, a historia do meio ambiente e do interesse para a pesquisa histórica, antropológica, geografia cultural, e estudos da diáspora.
Escrito de maneira simples e envolvente, interessa aos estudiosos de todos os níveis bem como ao trabalho dos especialistas nas religiões afro-brasileiras.

Por Diana Deg. Brown
Bard College
Foto:
O geografo Robert Voeks coleta folha da costa, uma planta usada na medicina magica no oeste africano e Brasil.

Etnobotânica

Etnobotânica é a ciência, ligada à Botânica e à antropologia, que estuda as interações entre pessoas e plantas em sistemas dinâmicos.
Também consiste no estudo das aplicações e dos usos tradicionais dos vegetais pelo homem.
É uma ciência multidisciplinar que envolve botânicos, antropólogos, farmacólogos, médicos, engenheiros.
O botânico destina-se à identificação das espécies de plantas usadas pelas várias etnias, que é a base para todas as ramificações subsequentes.
O antropólogo dedica-se ao estudo da origem, estrutura social e étnica das comunidades humanas em foco, além de elaborar questionários que serão aplicados aos informantes.
É na interação com as populações que se constrói o conhecimento, não só da utilidade tradicional das plantas em foco, como da cosmologia que embasa a estrutura social à qual está associada.
Um farmacólogo pode pesquisar se há alguma propriedade medicinal, algum princípio ativo presente nas plantas.
O médico pode determinar se as plantas usadas provocam algum efeito fisiológico positivo ou negativo.
O engenheiro pode indicar se as madeiras usadas na construção são de boa qualidade.
Todo estudo etnobotânico tem como objetivo contribuir para o conhecimento científico das espécies vegetais, mas deve ter em foco a reversão do conhecimento fornecido pelos informantes para o benefício da própria comunidade.
A etnobotânica tem contribuído não só para resgatar conhecimento tradicional que está em processo de se perder pelo choque com a cultura dominante, como resgatar os próprios valores das culturas com que entra em contato.
Tem também apoiado etnias minoritárias no embate contra a apropriação intelectual indevida do conhecimento das propriedades terapêuticas de plantas medicinais por grupos econômicos, que registram princípios ativos como propriedade privada, em contraste com as informações tradicionais que lhes foram cedidas gratuitamente.

Resenha do Livro
Sacred Leaves of Candomblé:
African Magic Medicine, and Religion in Brazil
National Period
por Robert A. Voeks.
Austin: University of Texas Press, 1997.