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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Rito Angola Caboclo - samba e ancestralidade

Rito Angola - um culto sincrético

Na esfera das religiões afro-brasileiras, a participação dos bantos foi fundamental, pois é da religiosidade desses povos ou sob sua influência decisiva que se formou no Brasil o candomblé de caboclo baiano.
Sua linguagem ritual originou-se predominantemente das línguas quimbundo e quicongo.
O rito angola adotou os deuses iorubas, embora os chame pelos nomes de seus esquecidos inquices, divindades bantas assim como incorporou muitas das práticas iniciáticas da nação queto.
Cada nkisi a divindade banta - tem sua casa, seus assentamentos, seus atributos específicos, onde se concentra a sua força primordial, o ngunzo. Nzila, Nkosi, Katendê, Mutalambô, Gogombira, Zazi, Kikongo, Tempo, Angorô, Bamburucema, Dandalunda, Kokoeto, Gangazumba e Lemba são os principais nkisi do panteão banto.
Forças primordiais da natureza, os nkisi são a prova vibrante da vitalidade das tradições religiosas de origem banta na Bahia.
Os adeptos do candomblé Angola formam uma grande família espalhada nas diversas regiões do Estado e do Brasil.
Laços de parentesco, consanguíneo e espiritual, unem os angoleiros.
Nomes ilustres marcaram, até hoje, a história moderna do candomblé de origem banta:
Roberto Barros Reis, Maria Genoveva do Bonfim (Maria Neném), Maria Santana Corqueijo Sampaio (Malandiansambe do Calabetã), Bernardino do Bate Folha (nação Muxicongo), Ciríaco do Tumba Junçara, Joãozinho da Goméia, Gregório Makuende, Miguel Arcanjo (nação Amburaxó), Nicácio (nação Paketan), entre outros.
Cada um desses sacerdotes deu origem a uma família espiritual cujos membros continuam preservando e celebrando a tradição herdada dos seus fundadores.
Há outras nações menores de origem banto, como a congo e a cabinda, hoje quase inteiramente absorvidas pela nação angola.

O Candomblé de Caboclo - entram os índios

Ao chegarem no Brasil, os bantos encontraram os indígenas, que cultuam também os Ancestrais com, levando em conta as diferenças culturais, a mesma religiosidade.
Enquanto os índios brasileiros cultuavam seus ancestrais entalhando e enfeitando troncos de árvores aos seus antepassados, os bantos erigiam totens de madeira identificando-os com aqueles que partiam para o mundo espiritual, fazendo ambos, oferendas, festas e alimentos aos mortos.
O respeito à ancestralidade que traziam consigo em sua bagagem filosófica era tão grande que os bantos incluíram no seu culto os Ancestrais Míticos, da terra, os índios que foram designados de Caboclos surgindo, então, o Candomblé de Caboclo ou a Angola de Caboclo.
Com a difusão do candomblé no país surgiram novos cultos de influencias Banto, misturando o culto aos inquices (o correspondente a Orixá na língua banto) e a pratica de cultuar os ancestrais e antigos donos de terras: o Candomblé de Caboclo.
Esta vertente é conhecida por ser mais flexível nas rígidas regras que regem os cultos de matrizes africanas.
Já no início de seu desenvolvimento, este fato foi observado, na Bahia, por antropólogos que estudavam os efeitos da diáspora africana.
O candomblé de caboclo é uma modalidade do angola centrado no culto exclusivo dos antepassados indígenas, típico dos cultos trazidos pelos negros de Angola.
Nessas cerimonias, as filhas e os filhos de santo incorporam não apenas os orixás, mas também os espíritos de caboclos, que seriam entidades de luz da corrente indígena.
Os espíritos de índios foram reconhecidos pelos antigos africanos como os verdadeiros ancestrais brasileiros e dignos de culto no novo território a que foram confinados pela escravidão.
As cerimônias dedicadas ao Caboclo seguem o mesmo modelo de estrutura ritual utilizado em todas as festas de candomblé, independente da nação, embora com adaptações.
As cantigas utilizadas nas festas dedicadas aos Orixás são de acordo com a nação a que a casa pertença.
Os cantos que acompanham as cerimônias da matança, padê, xirê e para Oxalá, nos rituais dedicados aos Caboclos, são pertencentes à nação Angola, independentemente da casa onde sejam realizadas as cerimônias.
O principal rompimento do candomblé de origem nagô foi a instalação do candomblé de caboclo, com profundas influências bantas, que eram vistas como impuras pelos nagôs.
O matriarcado foi perdendo sua força com a fomentação do candomblé e sua disseminação pelo país, sobretudo pela criação de um novo culto chamado Candomblé de Caboclo.
Os cultos caboclos relaxaram grandemente as restrições que cercam as mães.
Os homens somente começam a surgir como pais-de-santo na Bahia depois de uma geração, com o nascimento de uma nova forma de culto, o candomblé de caboclo.
Nesse novo culto, os homens, até então excluídos das rodas de santo puderam começar a praticar o sacerdócio.
O seu afastamento mais radical da tradição Nagô, é que os homens podem tornar-se chefes dos cultos de caboclo.
Historicamente o candomblé de caboclo foi instalado por uma mãe-de-santo, da tradição Nagô, chamada Silvana que alegava ter visões dos antigos índios brasileiros.
A antropóloga Ruth Landes registrou um diálogo com a famosa sacerdotisa cabocla, no qual ela explica seu culto:
"A senhora deve saber dessas coisas". Esse templo é protegido por Jesus e Oxalá e pertence ao Bom Jesus da Lapa.
É uma casa de espíritos caboclos, aos antigos índios brasileiros, e não vem dos africanos Iorubas ou do Congo.
Os índios da mata mandam os espíritos deles nos guiar, e alguns são espíritos de índios mortos a centenas de anos.
Louvamos primeiro os deuses Iorubas nas nossas festas porque não podemos deixá-los de lado;
mas depois salvamos os caboclos porque foram os primeiros donos da terra em que vivemos.
Foram os donos e, portanto são agora nossos guias, vagando no ar e na terra.
“Eles nos protegem.” (Landes, 1947:196).
No candomblé de caboclo são cultuados espíritos dos Índios e Boiadeiros, e outros "encantados" brasileiros que são considerados emanações dos Orixás pelos praticantes do candomblé.
São caracterizados pela comunicação verbal e pela proximidade de contato com o público que frequenta os terreiros, são procurados por seu poder de cura e pela disposição em ajudar os necessitados.
O caboclo é uma entidade espiritual presente em todas as religiões de matrizes africanas - candomblé, xangô, tambor de mina, batuque e umbanda.
O termo candomblé de caboclo teria surgido na Bahia entre o povo-de-santo ligado ao candomblé de nação quetu, originalmente pouco afeito ao culto de caboclo, justamente para marcar sua distinção em relação aos terreiros de caboclos.
Nota-se no candomblé de caboclo a predominância dos elementos do candomblé Angola, como o toque dos atabaques com as mãos (enquanto nas tradições Iorubas, o toque é feito com baquetas de madeira) e as cantigas em português.
O culto caboclo é praticado paralelamente ao culto dos Orixás, criando uma interdependência entre os dois cultos.

Samba de Caboclo

A música cumpre uma função fundamental na prática religiosa do candomblé.
Além de identificar as diversas nações, toques e cantigas servem de veículo para a transmissão do rico conteúdo mítico-litúrgico banto.
Na nação Angola, os três atabaques, tradicionalmente chamados ngoma, são tocados com as mãos.
É o Candomblé de onde se originou o Samba, que tomou emprestado o próprio nome, que em Quimbundo significa oração.
É também origem do samba de roda, uma roda de samba formada para as mulheres dançarem.
O samba de roda era feito como recreação, principalmente pelas mulheres, após os afazeres rituais, dançando e cantando dizeres em sua maioria jocosos e galhofeiros.
Mais tarde assimilado pelo Samba de Caboclos, aí já em sua versão mais abrasileirada como um culto ameríndio que era feito pelos Caboclos, aí já incorporados em seus "cavalos" e já em idioma aportuguesado com versos chamados de "sotaque".
Isto, porque quase sempre eram parábolas ou charadas que poucos entendiam. muito em voga ainda hoje.
Registam-se nesse samba as influências indígenas e mestiças, resumindo-se os hinos especiais de cada encantado ou caboclo, cantados em português, a uma declaração de seus poderes sobrenaturais.
O repertório musical específico de Caboclo é sustentado atualmente (nem sempre foi assim) pelo mesmo conjunto instrumental que acompanha todos os rituais do candomblé formado pelo gã e por três atabaques.
Eventualmente o violão é utilizado exclusivamente no acompanhamento dos sambas.
As melodias, acompanhadas pelos toques de Congo, Barravento e Samba, com exceção das rezas, são geralmente puxadas pelos Caboclos e se incluem em grande parte nas heptatônicas com uma concentração significativa no que equivaleria à nossa escala maior e, em menor grau, a vários tipos de hexatônicos, pentatônicos e tetratônicos.
Os textos são quase sempre em português, com exceção das rezas que podem ser em língua de origem banto.
O canto corrido é proveniente do samba de caboclo, sobre o qual não há relatos de sua introdução.
É sabido que no samba de caboclo cabia-se sempre àquele que fosse entrar cantar seus versos, que constantemente são alternados entre o sambista e o coro.
Aspectos da metrificação popular se refletem na frequente presença de rimas no segundo e quarto verso de quadras e, muitas vezes na presença de redondilhas.
Música e dança são predominantemente interligadas, embora as rezas não sejam dançadas.
As cantigas são sempre associadas aos toques que as acompanham.
Os instrumentistas não conseguem dissociá-las.
O repertório musical exclusivo dos Caboclos sendo acompanhado apenas por três toques (Congo, Barravento e Samba) e a possibilidade de relação, levantada nesta tese, entre as alturas dos instrumentos de percussão e a das melodias foram considerados como fatores que limitariam a geração do repertório dos Caboclos.
A UNESCO elegeu o samba de caboclo como patrimônio cultural da humanidade.