O Rio tem uma vasta colônia semita ligada à nossa vida
econômica, presa ao alto comércio, com diferentes classes sem relações entre
elas e diferentes ritos.
Há os judeus ricos, a colônia densa dos judeus armênios e a
parte exótica; a gente ambígua, os centros onde o lenocínio, mulheres da vida
airada e caftens, cresce e aumenta; há israelitas franceses, quase todos da
Alsácia Lorena; marroquinos, russos, ingleses, turcos, árabes, que se dividem
em seitas diversas, e há os Asknenazi comuns na Rússia, na Alemanha, na
Áustria, os falachas da África, os rabbanitas, os Karaitas, que só admitem o
Antigo Testamento, os argônicos e muitos outros.
Os semitas ricos não têm no Rio ligação com os humildes nem
os protegem como em Paris e Londres os grandes banqueiros da força de Hirsch e
dos Rottchilds.
São todos negociantes, jogam na Bolsa, veraneiam em
Petrópolis, vestem-se bem.
Muitos são joalheiros, com a arte de fazer brilhar mais as
jóias e de serem amáveis.
Franceses, ingleses, alemães, o culto desses cavalheiros
apresentáveis e mundanos reveste-se de uma discrição absoluta.
Uns praticam o culto íntimo, outros não precisam do hhasan e
fazem juntos apenas as duas grandes cerimônias: a Ion-Kipur ou dia das
lamentações e do perdão, e o ano novo ou Rasch-Haschana.
Algumas sinagogas já têm sido estabelecidas nas salas de
prédios centrais para receber esses senhores. Atualmente não há nenhuma,
estando na Europa quem mais se preocupava com isso.
As riquezas das nações estão nas mãos dos judeus, brada o
anti-semita Drumont, ao vociferar os seus artigos.
A nossa também está, não porém nas dos judeus daqui, que são
apenas homens ricos bem instalados nos bancos e na vida.
...
Os judeus revolucionários foram para Gibraltar e aí
embarcaram para o Brasil.
Todos acabaram com fortuna, menos o rabino, que ficou
ensinando línguas, porque o sacerdote judeu não vive do seu culto.
E esta parte densa da colônia judaica que tem duas sinagogas
estáveis, uma na rua Luís de Camões, 59 e outra na rua da Alfândega, 369.
A sinagoga da rua Luis de Camões é do rito argônico.
Entra-se num corredor sujo, onde crianças brincam.
Aos fundos fica a residência da família.
Na sala da frente está o templo, que quase sempre tem camas
e redes por todos os lados.
As tábuas de Moisés negrejam na parede; a um canto está o
altar, e na extremidade oposta fica a arca onde se guarda a sagrada história,
resumo de toda a ciência universal, escrita em pele de carneiro e enrolada em
formidáveis rolos de carvalho. Só nos dias solenes se transforma o templo.
David Hornstein faz as cerimônias no meio da sala, no altar,
envolto na sua túnica branca riscada nas extremidades de vivos negros, com um
gorro de veludo enterrado na cabeça.
Muito míope, o hhasan é acompanhado por três pequenos que
entoam o coro.
No altar David retira a capa de veludo roxo dos rolos,
abre-os da esquerda para a direita.
Ao lado guiam-lhe a leitura com uma mão de prata.
Aí, imóvel, sem se mexer, faz a oração secreta para que Deus
o atenda e o perdoe de ser enviado e ousar rogar pelo seu povo.
Jeová naturalmente atende e perdoa.
O hhasan infatigável já tem desenhado cento e cinquenta
sepulturas, já praticou a circuncisão em cerca de setecentos pequenos, já
batizou, mergulhando em três banhos consecutivos, muitas meninas, já casou
muitos judeus e prospera falando dos nossos políticos e citando os deputados
com familiaridade.
A sinagoga da rua da Alfândega é muito mais interessante.
Ocupa todo o sobrado do prédio 363, que é vulgar e acanhado,
como em geral os do fim daquela rua. Sobe-se uma escada íngreme, dá-se num
corredor que tem na parede as tábuas de Moisés.
Aí vive outro Moisés, o hhasan, com uma face espanhola e um
ar bondoso.
Na sala de jantar estão as paredes ornadas de símbolos,
representando as doze tribos de Judá, e aí passam Moisés, ela de lenço na
cabeça, ele com um chapéu de palha velho.
A sala da frente é destinada às cerimônias.
Quase não se pode a gente mover, tão cheia está de bancos.
No meio colocam o altar de vinhático envernizado, em que o hhasan fica de pé
lendo ou cantando.
Nas paredes apenas as tábuas, ao fundo a arca com cortinas
de seda, onde se guarda o sagrado livro.
Do teto pendem presos de correntes brancas vasos de vidros,
cheios de água onde 1amparinas colossais queimam crepitando. Sobre o altar
desce o lustre de cristal, chispando luzes nos seus múltiplos pingentes. Além
de Moisés, há outro sacerdote, Salomão, tão devoto, que é o hhassidim...
Foi nesta sinagoga, indicada por um negro falacha, cuja
origem vem dos tempos de Salomão e da rainha de Sabá, que eu assisti ao peisan.
- Oh! eles são bons e se protegem uns aos outros - dizia o
negro assombroso.
- A vida do judeu pobre é a do pouco comer, do pouco gozar,
do muito sofrer.
Agora, fizeram a Irmandade de Proteção Israelita.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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