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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Os exploradores

As Religiões no Rio - João do Rio
  
False Sphinx! False Sphinx!
Old Charon, learning on his oar
Waits for my coin. Go thou before...
by reedy Styx

Ao chegar à praça Onze, tomamos por uma das ruas transversais, escura e lôbrega.
Ventava.
- É aqui - murmurou cansado o nosso amigo, parando à porta de um sobrado de aparência duvidosa.
Havia oito dias já andávamos nós em peregrinação pelo baixo espiritismo.
Ele, inteligente e esclarecido, dissera:
- Há pelo menos cem mil espíritas no Rio.
É preciso, porém, não confundir o espiritismo verdadeiro com a exploração, com a falsidade, com a crendice ignorante.
O espiritismo data de 1873 entre nós, da criação da Sociedade de Confúcio.
Talvez de antes; data de umas curiosas sessões da casa do Dr. Melo Morais Pai, a bondade personificada, um homem que andava de calções e sapatos com fivelas de prata.
Mas, desde esse tempo, a religião sofre da incompreensão de quase todos, substitui a feitiçaria e a magia.
Foi então que começamos ambos a percorrer os centros, os focos dessa tristeza.
O Rio está minado de casas espíritas, de pequenas salas misteriosas onde se exploram a morte e o desconhecido.
Esta pacata cidade, que há 50 anos festejava apenas a corte celeste e tinha como supremo mistério a mandinga, o preto escravo, é hoje como Bizâncio, a cidade das cem religiões, lembra a Roma de Heliogábalo, onde todas as seitas e todas as crenças existiam.
O espiritismo difundiu-se na populaça, enraizou-se, substituindo o bruxedo e a feitiçaria.
Além dos raros grupos onde se procede com relativa honestidade, os desbriados e os velhacos são os seus agentes.
Os médiuns exploram a credulidade, as sessões mascaram coisas torpes e de cada um desses viveiros de fetichismo a loucura brota e a histeria surge.
Os ingênuos e os sinceros, que se julgam com qualidades de mediunidade, acabam presas de patifes com armazéns de cura para a exploração dos crédulos; e a velhacaria e a sem-vergonhice encobrem as chagas vivas com a capa santa do espiritualismo.
Quando se começa a estudar esse mundo de desequilibrados, é como se vagarosamente se descesse um abismo torturante sem fundo.
A polícia sabe mais ou menos as casas dessa gente suspeita, mas não as observa, não as ataca, porque a maioria das autoridades têm medo e fé.
Ainda há tempos, um delegado moço frequentava a casa de um espírita da praia Formosa para se curar da sífilis.
Se os delegados são assim apavorados do futuro, reduzindo a mentalidade à crença numa panacéia misteriosa, o pessoal subalterno delira.
- Veja você - disse-nos o amigo espírita -, toda a nossa religião resume-se nas palavras de Cristo à Samaritana:
"Deus é espírito e em espírito quer ser adorado".
Essa gente não compreende nada disso, maravilha-se apenas com a parte fenomenal, com a canalhice e a magia.
É horrível.
Os proprietários dos estabelecimentos de cura anímica a preço reduzido exploram; o povaréu vai todo, aliando as crendices do novo às bagagens antigas.
São católicos ou perdidos a servirem-se dos espíritos como de um baralho de cartomante.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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