No mundo dos feitiços
Não precisei dos meios violentos do Caramuru da África, para
saber do mais terrível mistério da religião dos minas: - o egum ou evocação das
almas.
Naquela mesma noite em que encontrara Antônio, o negro
serviçal levou-me a uma casa nas imediações da praia de Santa Luzia.
- Em tudo é preciso mistério, dizia ele. V. S. vai à casa do
babaloxá, finge acreditar e depois é convidado para uma cerimônia na casa das
almas.
Poderá então ver o segredo da pantomima.
Quem descobre o segredo do egum, morre. Eu me arrisco a
morrer.
A sua voz era trêmula.
- Tens medo?
- Não, mas se morrer amanhã, todos os feiticeiros dirão que
foi o feitiço.
Do egum depende toda a traficância.
O negro parou.
Não imagina! Abubáca Caolho, que mora na rua do Resende, é
um dos tais.
Quando há uma morte, vai logo dizer que foi quem a fez.
Se fôssemos acreditar nas suas mentiras, Abubáca tinha mais
mortes no costado que cabelos na cabeça. V. S. já o viu.
É um negro que usa gravata do lado e pontas - as roupas
velhas dos outros... Apotijá é outro.
- Mas há desse gênero de morte, Antônio? indaguei eu
acendendo o cigarro com um gesto shakespeariano.
- Ora se há! Vou provar quando quiser.
De morte misteriosa lembro a Maria Rosa Duarte, sogra do
mama Pão Baltazar, alufá muito amigo de um político conhecido; o Salvador Tapa,
a Esperança Laninia, Larê-quê, Fantuchê, o Jorge da rua do Estácio,
Ougu-olusaim... ]
Todos morreram por ter descoberto o egum.
Na Bahia, então, esses assassinatos são comuns.
Hei de lembrar sempre o velho feiticeiro Aguidi, coitado!
Era dos que sabem.
Um dia, farto de viver, descobriu a traficância e logo
depois morria no incêndio do Tabão, com os braços cruzados, impassível e a
sorrir.
Aguidi na minha língua significa: - o que quer morrer... Ele
quis.
João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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