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domingo, 20 de maio de 2012

A Morte e a Loucura

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços - A Casa das Almas

Pela praia de Santa Luzia o luar escorria silenciosamente, e de leve o vento, sacudindo as folhas das árvores em melancólico sussurro, entristecia Antônio.
- Ah! meu senhor. Não é só por causa do egum que negro mata.
Quando as iauô não andam direito, quando não fingem bem, quase nunca escapam de morrer. Há vários processos de morte, a morte lenta, com beberagens e feitiços diretos, a morte na camarinha por sufocação...
Muitos negros apertam uma veia que a gente tem no pescoço e dentro de um minuto qualquer pessoa está morta.
Outros dependuram as criaturas e elas ficam bracejando no ar com os olhos arregalados.
A Morte e a Loucura nem sempre se limitam ao estreito meio dos negros.
As beberagens e o pavor atuam suficientemente nas pessoas que os frequentam.
A Assiata, uma negra baixa, fula e presunçosa, moradora à rua da Alfândega, dizem os da sua roda que pôs doida na Tijuca uma senhora distinta, dando-lhe misturadas para certa moléstia do útero.
Apotijá, o malandro da rua do Hospício, que aproveita os momentos de ócio para descompor o Brasil, tem também uma vastíssima coleção de casos sinistros.
A Morte e todas as vesânias não são apenas os sustentáculos dos seus ritos e das suas transações religiosas, são também o meio de vida extra-cultual, o processo de apanhar heranças.
Alikali, lemamo atual dos alufás, e Amando Ginja, cujo nome real é Fortunato Machado, quando morre negro rico vão logo à polícia participar que não deixou herdeiros.
Alikali é testamenteiro de quase todos e bicho capaz de fazer amuré com as negras velhas, só para lhes ficar com as casas.
A certidão de óbito é dada sem muitas observações.
- Mas, você conhece mais feiticeiros, Antônio?
- Pois não! O João Mussê, alufá feiticeiro tremendo, que mora na rua Senhor dos Passos, 222 e é respeitado por todos;
Obalei-ié, Obio Jamin, Ochu-Toqui, Ochu-Bumin, Emin-Ochun, Oumigi, Obitaiô-homem, Obitaiô-mulher, Ochu Taiodé, a Ochu-boheió, da rua do Catete, Siê, Xangô-Logreti, Ajagum-baru, Eçu-hemin, Angelina, o ogan Conrado...
Mais de cem feiticeiros, mais cem.
- Quase todos com os nomes dos santos...
- Os negros usam sempre o nome do santo que têm no corpo...

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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