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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Feitiços de todos os matizes

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços

Há feitiços de todos os matizes, feitiços lúgubres, poéticos, risonhos, sinistros.
O feiticeiro joga com o Amor, a Vida, o Dinheiro e a Morte, como os malabaristas dos circos com objetos de pesos diversos.
Todos entretanto são de uma ignorância absoluta e afetam intimidades superiores, colocando-se logo na alta política, no clero e na magistratura.
Eu fui saber, aterrado, de uma conspiração política com os feiticeiros, nada mais nada menos que a morte de um passado presidente da República.
A principio achei impossível, mas os meus informantes citavam com simplicidade nomes que estiveram publicamente implicados em conspirações, homens a quem tiro o meu chapéu e aperto a mão.
Era impossível a dúvida.
- O presidente está bem com os santos, disse-me o feiticeiro, mas bastava vê-lo à janela do palácio para que dois meses depois ele morresse.
- Como?!
- E difícil dizer. Os trabalhos dessa espécie fazem-se na roça, com orações e grandes matanças.
Precisa a gente passar noites e noites a fio diante do fogareiro, com o tessubá na mão, a rezar.
Depois matam-se os animais, às vezes um boi que representa a pessoa e é logo enterrado.
Garanto-lhe que dias depois o espírito vem dizer ao feiticeiro a doença da pessoa.
- Mas por que não matou?
- Porque os caiporas não me quiseram dar sessenta contos.
- Mas se você tivesse recebido esse dinheiro e um amigo do governo desse mais?
- O feitiço virava. A balança pesa tudo e pesa também dinheiro.
Se Deus tivesse permitido a essa hora, os somíticos estariam mortos.
Esse é o feitiço maior, o envoutement solene e caro.
Há outros, porém, mais em conta.
Para matar um cavalheiro qualquer, basta torrar-lhe o nome, dá-lo com algum milho aos pombos e soltá-los numa encruzilhada.
Os pombos levam a morte... É poético.
Para ulcerar as pernas do inimigo um punhado de terra do cemitério é suficiente. Esse misterioso serviço chama-se etu, e os babaloxás resolvem todo o seu método depois de conversar com os iffá, uma coleção de 12 pedras.
Quando os iffá estão teimosos, sacrifica-se um cabrito metendo as pedras na boca do bicho com alfavaca de cobra.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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