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segunda-feira, 14 de maio de 2012

Na casa de Oloô-Teté

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços - Os feiticeiros

Quando entramos na casa de Oloô-Teté (Oluwo=Babalaô), o matemático macróbio e sensual, uma velha mina, que cantava sonambulicamente, parou de repente.
- Pode continuar.
Ela disse qualquer coisa de incompreensível.
- Está perguntando se o senhor lhe dá dois tostões, ensina-nos Antônio.
- Não há dúvida.
A preta escancara a boca, e, batendo as mãos, põe-se a cantar:

Baba ounlô, ó xocotám, o ilélê.

- Que vem a ser isso?
- É o final das festas, quando o santo vai embora. Quer dizer: papai já foi, já fez, já acabou; vai embora!
Eu olhava a réstia estreita do quintal onde dormiam jabotis.
- O jaboti é um animal sagrado?
- Não, diz-nos o sábio Antônio. Cada santo gosta do seu animal. Xangô, por exemplo, come jaboti, galo e carneiro.
Abaluaié, pai de varíola, só gosta de cabrito.
Os pais-de-santo são obrigados pela sua qualidade a fazer criação de bichos para vender e tê-los sempre à disposição quando precisam de sacrifício.
O jaboti é apenas um bicho que dá felicidade.
O sacrifício é simples. Lava-se bem, às vezes até com champanha, a pedra que tem o santo e põe-se dentro da terrina.
O sangue do animal escorre; algumas das partes são levadas para onde o santo diz e o resto a roda come.
- Mas há sacrifícios maiores para fazer mal às pessoas?
- Há! para esses até se matam bois.
- Feitiço pega sempre, sentencia o ilustre Oloô-Tetê, com a sua prática venerável.
Não há corpo-fechado. Só o que tem é que uns custam mais.
Feitiço para pegar em preto é um instante, para mulato já custa, e então para cair em cima de branco a gente sua até não poder mais. Mas pega sempre.
Por isso preto usa sempre o assiqui, a cobertura, o breve, e não deixa de mastigar obi, noz de cola preservativa.
Para mim, homem amável, presentes alguns companheiros seus, Oloô-Tetê tirou o opelé que há muitos anos foi batizado e prognosticou o meu futuro.
Este futuro vai ser interessante.
Segundo as cascas de tartaruga que se voltavam sempre aos pares, serei felicíssimo, ascendendo com a rapidez dos automóveis a escada de Jacó das posições felizes.
É verdade que um inimigozinho malandro pretende perder-me.
Eu, porém, o esmagarei, viajando sempre com cargos elevados e sendo admirado.
Abracei respeitoso o matemático que resolvera o quadrado da hipotenusa do desconhecido.
- Põe dinheiro aqui - fez ele.
Dei-lhe as notas. Com as mãos trêmulas, o sábio a apalpou longamente.
- Pega agora nesta pedra e nesta concha. Pede o que tiveres vontade à concha, dizendo sim, e à pedra dizendo não.
Assim fiz. O opelé caiu de novo no encerado.
A concha estava na mão direita de Antônio, a pedra na esquerda, e Oloô tremia falando ao santo, com os negros dedos trêmulos no ar.
- Abra a mão direita! ordenou.
Era a concha.
- Se acontecer, ossumcê dá presente a Oloô?
- Mas decerto.
Ele correu a consultar o opelé. Depois sorriu.
- Dá, sim, santo diz que dá. - E receitou-me os preservativos com que eu serei invulnerável.
Também eu sorria. Pobre velho malandro e ingênuo!
Eu perguntara apenas, modestamente, à concha do futuro se seria imperador da China...
Enquanto isso, a negra da cantiga entoava outra mais alegre, com grande gestos e risos.

O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé
O loô-ré, xa-la-ré
Camurá-ridé

- E esta, o que quer dizer?
- É uma cantiga de Orixalá. Significa: O homem do dinheiro está aí. Vamos erguê-lo...
Apertei-lhe a mão jubiloso e reconhecido.
Na alusão da ode selvagem a lisonja vivia o encanto da sua vida eterna...

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio
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