Seguidores

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sacrifício para Exu

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços - Os novos feitiços de Sanin

Depois raspa-se-lhe a carapinha, guardando-a para o grande despacho, pinta-se-lhe o crânio com giz e faz-se a matança.
- Todos os animais?
- Todos caem ao golpe das navalhas afiadas, o sangue enche os alguidares, escorre pela casa, mas ninguém sabe, porque lá dentro, de vivos, só há os dois babalaôs e o acólito.
O primeiro sacrifício é para exu. Mistura-se o sangue do galo com tabatinga, forma-se um boneco recheado com os pés, o fígado, o coração e a cabeça dos bichos; metem-se em forma de olhos, nariz e boca, quatro búzios e está feito o exu. Em seguida esfaqueiam-se os outros bichos, sacrificando aos iffá.
O novo babalaô recebe na cabeça um pouco desse sangue, o acólito ou ogibanam amarra-lhe na testa uma pena de papagaio com linha preta e, assim pronto, o novo matemático fica seis dias aprendendo a prática de alguns feitiços temíveis e rezando aos odu jilá.
Os iffá são dezesseis: - eidi-obé, ojécu-meigi, jori-meigi, uri-meigi, ôrosê-meigi, nani-meigi, obará-meigi, ocairá-meigi, egundá-meigi, osé-meigi, oturá-meigi, oreté-meigi, icá-meigi, eturáfanmeigi, achemeigi e ogio-ofum.
No fim dos sete dias juntam-se os ossos, as cabeças, os pés dos animais com os restos de comida, a pena de papagaio do jovem professo, as ervas dos serviços anteriores, coloca-se tudo num alguidar para jogar onde o opelé disser, no mar, num lago, em qualquer rio.
O iniciado é quem leva o alguidar, sem perder a razão, e canta no trajeto três cantigas...
Estávamos no largo do Capim.
A chuva era tanta que nos obrigara a recolher a um
botequim qualquer, e Antônio, já sentado, bebendo vinho do Porto e acendendo pela trigésima vez a horrenda ponta do seu charuto, preparava-se para entoar as maviosas cantigas.
Chegou mesmo a perpetrar uma, a segunda, a mais curta.

O-ché-yturá a narê praquê
Abá gun-nem-gum gebo
Oury ôcú ou-myn-nan
Essé ouxy-cá gô-xê-nan ló nan.

Esta apavorada oração significa:

Sabão-da-Costa serve para resguardar-se a gente do rei
que come urubu e limo-da-costa.
Nós, se comermos limo ou urubu pelo pé,
hoje mesmo morreremos.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
Sobre o autor