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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Babalaô

As Religiões no Rio - João do Rio
No mundo dos feitiços - Os novos feitiços de Sanin

Pois seja! disse Antônio, tomando coragem. V. S. pode ir, mas não cuspa, não fume e não coma nessa casa. Eu não vou.
- Acompanhas-me até a porta?
- Até à esquina. Ficarei de alcatéia. Sanin e Ojô são capazes de me acabar com a vida.
A vida de Antônio é uma vida, sob todos os títulos, preciosa, e naquele momento ainda o era mais, porque a sustentava eu. Refleti e concordei.
- Está direito, ficas à esquina.
Chovia a cântaros. Antônio, sem guarda-chuvas, metido num capote que lhe ia até aos pés, acendia constantemente um charuto, que apagava.
- Mas, que é esse Sanin, afinal?
- Um feiticeiro danado!
- Mas babaloxá, babalaô, traficante?
- Babalaô, não senhor. Para ser babalaô é preciso muita coisa.
Só de noviciado, leva-se muito tempo, anos a fio, e a cerimônia é dificílima.
Quando um iniciado quer ser babalaô, tem que levar ao babalaô que o sagra, dois cabritos pretos, duas galinhas d'Angola, duas galinhas da terra, dois patos, dois pombos, dois bagres, duas preás, um quilo de limo, um ori, um pedaço de ossum, um pedaço de giz, dois gansos, dois galos, uma esteira, dois caramujos e uma porção de penas de papagaio encarnadas.
- É difícil.
- E não é tudo. Tem que levar também um quilo de sabão-da-costa, que se chama ochê-iluaiê, e não entra para o ibodoiffá ou quarto dos santos sem estar de roupa nova e levar na algibeira pelo menos 200$OOO. O futuro babalaô fica sete dias no ibodô, onde não entra ninguém para não ver o segredo.
- O segredo?
- O segredo é um ovo de papagaio. V. S. já viu um ovo de papagaio?
Nunca! É difícil.
E quem vê um ovo desses, arrisca-se a ficar cego.
O ovo em africano chama-se éiu, o papagaio odidé.
É o ovo que guardam dentro de uma cuia ou ybadu.
O iniciado fica inteiramente nu, senta-se na esteira, e o velho babalaô indaga se é de seu gosto fazer o iffa. Se a resposta for afirmativa, lavam-se quarenta e dois caroços de dendê com diversas ervas, e nessa água o babalaô novo toma banho.

João do Rio - As Religiões no Rio, João do Rio,
Domínio Público - Biblioteca Virtual de Literatura
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