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terça-feira, 20 de setembro de 2011

A arte de Mestre Didi


Didi foi batizado, fez primeira comunhão e foi coroinha. Mais tarde, já sacerdote da tradição afro-brasileira foi se dedicando inteiramente a ela afastando-se do catolicismo, embora respeitando como outra religião.
Eugenia Ana dos Santos - Mãe Aninha tratada por Didi como avó, foi quem o iniciou no culto aos Orixás e lhe deu o título de Assogba, Supremo Sacerdote do Culto de Obaluaiyê.
Arsenio Ferreira dos Santos era sobrinho de Marcos Theodoro Pimentel, o Alapini, primeiro mestre de Didi no Culto aos Egungun, os ancestrais masculinos, tradição originária de Oyo, capital do império Yoruba.
Depois de Marcos, foi Arsenio, conhecido por Paizinho quem deu continuidade a iniciação de Didi, que se confirmou Ojé com o título de Korikowe Olokotun.
A herança de tio Marcos Alapini se constitui sobretudo pelo culto ao olori Egun, baba Olukotun, o mais antigo ancestral que foi trazido da África na ocasião da viagem que fez com seu pai, Marcos O Velho.
Paizinho, então Alagba, o mais antigo da tradição aos Egungun recebeu esta herança que aproximou à do terreiro Ilê Agboula na Ilha de Itaparica.
A herança de Marcos Alapini, para seu sobrinho Arsenio Alagba passou para Didi, Ojé Korikowe Olukotun. Mais tarde Didi recebeu o título de Alapini, o mais alto do Culto aos Egungun, no Ilê Agboula e anos depois, em 1980 fundou o Ilê Asipa onde é cultuado o Baba Olukotun e demais Eguns desta tradição antiga.
Em setembro de 1970, não tendo no Brasil quem pudesse fazer sua confirmação de Balé Xangô, foi para Oyo e realiza a obrigação na cidade originária do culto à Xangô. A cerimônia foi realizada pelo Balé Sàngó e o Otun Balé do reino de Sàngó de Òyó.

Artista
Existem artistas que não falam com a imprensa por reclusão, capricho, sabedoria ou mero espírito marqueteiro. O baiano Mestre Didi, 82 anos, um dos maiores representantes da arte afro-brasileira, age diferente. Não dá entrevistas sobre seu trabalho por razões estritamente religiosas.
Tendo recebido, em 1975, o título de Alapini, o mais alto grau da hierarquia sacerdotal da representação religiosa nagô, Deoscóredes Maximiliano dos Santos – seu nome verdadeiro – prestou um juramento privando-se de falar em público fora do Ilê Asipá, sociedade de culto aos ancestrais que ele fundou e preside em Salvador.
A palavra de Mestre Didi é considerada sacrossanta, suas obras um encantamento. Para um não-iniciado, suas esculturas coloridíssimas – um emaranhado de linhas, curvas, círculos, triângulos e setas, moldados a partir de materiais usados nos rituais nagôs – desenham formas finas, a maioria na vertical, como se apontassem para o céu.
Soprados pelo silêncio do artista-sacerdote, no entanto, objetos batizados na língua ioruba como Éwe toto keji (folha reverenciada), Esin mesan awo (as nove lanças do mistério) e Sasara nlá (o grande Xaxará) ganham conceitos abstratos, incompreensíveis ao mundo exterior daquela religião, mas de resultados extremamente belos.
É este sentimento raro que perpassa as 25 obras exibidas na Galeria São Paulo, em sua primeira individual paulistana em 36 anos. A bela exposição completa a participação do baiano na Mostra do redescobrimento, no Parque do Ibirapuera, na qual é um dos grandes destaques dos segmentos Arte afro-brasileira e Negro de corpo e alma. Juntas, as mostras reúnem o maior conjunto de trabalhos do artista desde a 23ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1996, quando ganhou uma sala especial.
Como sempre acontece em seus vernissages, Mestre Didi se faz acompanhar da mulher e porta-voz, a antropóloga argentina Juana Elbein dos Santos, com quem está casado há 30 anos. É Juanita, como gosta de ser chamada, que fala do trabalho do marido, função adquirida depois de passar por várias obrigações religiosas, recebendo o título de Abeké.
Ao contrário do que se espera, uma das grandes preocupações da antropóloga tem sido desfazer a visão comum de que as esculturas de Mestre Didi são objetos-rituais. “É absolutamente errado vê-las como obras religiosas. Elas são criações de um artista que pensa e imagina segundo os padrões da sua cultura.”
Feitos de materiais naturais como nervuras e palmas de palmeira, palha da costa, contas vegetais, búzios e couro, os trabalhos são recriações de emblemas do culto nagô, que guardam simbologias complexas. Os búzios, por exemplo, sempre trazidos da África – o que contribui para encarecer as peças, com preços que variam de R$ 3.600 a R$ 20 mil – podem representar a fecundidade, a riqueza ou os mortos.
As nervuras, colhidas dos brotos de palmeira e submetidas a um longo processo de limpeza e secagem, estão ligadas ao símbolo da árvore como emanação, a partir da terra, do poder dos ancestrais. Também as cores, presentes nos braceletes de couro que marcam os pontos de tensão das peças, guardam seus segredos.
O branco (iwá) é o poder que permite a existência, o vermelho (axé) é o que a dinamiza, e o preto (abá) é o que lhe dá finalidade. Desconhecer estes detalhes, contudo, não impede que o visitante se maravilhe com as peças, majestosas em sua simplicidade a exemplo de Opá ossanyin nlá (grande cetro da natureza).
“Não é preciso saber do mito do renascimento para se apreciar as cobras que Mestre Didi faz, porque ele cria uma verdadeira suíte de cobras”, afirma Juanita.
Filho único da mãe-de-santo Maria Bibiana do Espírito Santo, Mestre Didi é o mais antigo descendente no Brasil do poderoso reino africano do Ketu, hoje ocupado pela Nigéria e pelo Benin. Em 1983, recebeu o título máximo de Obá Mobá Oni Xangô, do Rei do Ketu, em Benin.
Também é autor de uma série de livros, entre eles um dicionário português-ioruba. Aos oito anos foi iniciado no culto aos ancestrais, dedicando toda sua vida a preservar a tradição dos orixás (assim mesmo, sem “s”), força associada aos elementos da natureza. Desde esta época cria esculturas tão belas e originais quanto os ritos que as inspiraram.
fonte:
Revista Isto é